O que há por trás do Acordo da Vale com a Funed?

Dia 7 de maio, foi publicado no Diário Oficial a Deliberação nº17/2024 do Conselho Superior do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, que em tese deve executar o Acordo Judicial de 2021 que visa a reparação integral dos danos, impactos negativos e prejuízos socioambientais e socioeconômicos causados em decorrência do rompimento das barragens de Brumadinho em janeiro de 2019. Essa determinação cita diversas outras deliberações anteriores de órgãos do governo, convênios realizados entre a FUNED, FHEMIG, SEINFRA e CODEMGE que tem como objeto a “realização de estruturação, modelagem e posterior apoio à licitação do projeto de Parceria Público Privada – PPP de um novo Complexo de Saúde do Estado de Minas Gerais” e também cita um contrato da CODEMGE com a International Finance Corporation – IFC para “prestação de serviços técnicos especializados de consultoria” com a mesma finalidade do convênio anterior, isto é a realização de PPP para um novo Complexo de Saúde. Para esse projeto estão destinados cerca de R$200 milhões para Estruturação, reforma e ampliação da Funed, e R$1,2 milhões para o “Estudo de viabilidade técnica e financeira e modelo de gestão da reestruturação da Funed”, além de mais R$200 milhões para a “Construção e manutenção do Novo Complexo de Saúde” na FHEMIG. Essa deliberação nos levanta 3 questionamentos:

Como foi escolhida a Corporação Financeira Internacional (IFC)?

Uma corporação financeira internacional, como o próprio nome diz, e que no seu próprio site afirma ter como objetivo central “melhorar a vida das pessoas nos países em desenvolvimento, investindo no crescimento do setor privado.” A Corporação Financeira Internacional (IFC) é vinculada ao Banco Mundial, com hegemonia dos EUA, que o utiliza no gerenciamento econômico internacional impondo seu modelo econômico e seus consensos, como o Consenso de Washington cujos últimos 3 pontos são: Privatização de empresas estatais; Desregulamentação: abolição das regulamentações que impedem a entrada no mercado ou restringem a concorrência; e Segurança jurídica para direitos de propriedade privada. Esse consenso está presente na política econômica brasileira desde os anos 90, em que se iniciou o processo de privatização das estatais em todo o país, culminando em diversos modelos de gestão privatizados, como a entradas das SAs, OSs, OSCIPs, SSAs e FEDPs e PPPs. É inegável a influência e o domínio norte-americano impondo seus interesses no Estado Brasileiro através dos governos de tendência neoliberal, como o governo Zema, totalmente alinhado aos interesses do grande capital internacional em detrimento dos serviços e dos interesses públicos. É amplamente reconhecido que a liberalização dos mercados financeiros domésticos e os fluxos de capitais através das fronteiras foram uma das causas principais de várias crises econômicas dos países que se submeteram a essas políticas. Pois enquanto os países do capitalismo central impõem a quebra de barreiras para sua entrada nos mercados dos países de “terceiro mundo”, se utilizam de guerras e de protecionismo econômico para proteger seus interesses econômicos globais com intervenção direta do Estado na economia.

“IFC – MEMBRO DO GRUPO DO BANCO MUNDIAL – É A MAIOR INSTITUIÇÃO DE DESENVOLVIMENTO GLOBAL FOCADA EXCLUSIVAMENTE NO SETOR PRIVADO”, diz o trecho encontrado no site da IFC: https://www.ifc.org/en/about

 

Onde essa deliberação foi decidida e debatida?

Os trabalhadores não têm acesso aos debates, deliberações e pareceres do governo em nenhum fórum, mesa de negociação ou conselho de saúde. Sendo que todas essas políticas que afetam o SUS devem obrigatoriamente ser deliberadas nas conferências de saúde e nesse caso pelo Conselho Estadual de Saúde. Essa imposição de políticas de privatização fere todas as deliberações das últimas conferências estaduais de saúde, maior fórum democrático do SUS de MG, que têm reiteradas vezes aprovado propostas que são contra todas as formas de privatização da saúde.

Em que a privatização da Funed através da PPP, vai reparar os danos e prejuízos socioambientais e socioeconômicos causados pela Vale em decorrência do maior crime ambiental da história do Brasil?

As PPPs, OSs, OSCIPs, implantadas na saúde em todo país, não só não reparam danos como ampliam os danos pois reduzem a transparência na gestão dos recursos, sendo alvo de fraudes, superfaturamentos, escândalos, além de aumentar os custos, a taxa de permanência e aumentar a mortalidade onde é aplicado. Isso já foi demonstrado nos mais diversos estudos científicos, econômicos e epidemiológicos por diversos sanitaristas na área. Pagar R$1,2 milhões para uma empresa cuja finalidade declarada é o investimento no setor privado para fazer consultoria, estudos de viabilidade técnica e financeira sobre licitação de PPP na FUNED, é basicamente pagar milhões para uma empresa sem nenhuma imparcialidade para “me provar” que o que eles querem é o que precisa ser feito. Isso além de ser antiético fere princípios da administração pública. Uma instituição para receber esse aporte público milionário deveria participar de um processo de escolha em que as concorrentes tenham que garantir, no mínimo, imparcialidade e que não tenham interesse no resultado do estudo, o que claramente seria impossível para a IFC e para o Banco Mundial, pois seria negar sua própria existência.

O paradoxo é que quem impôs a agenda de privatização da Vale do Rio Doce, que colocou o lucro acima da vida e como consequência exterminou centenas de pessoas, foi justamente o Banco Mundial, que agora vai receber dinheiro da indenização dos crimes que gerou com sua própria agenda para implantar ainda mais privatização e mortalidade.

   

 

O QUE FAZER?

Por essas três questões centrais que os trabalhadores da Funed devem estar atentos e se mobilizar para enfrentar esses debates e deliberações que estão diariamente sendo impostas pelo governo Zema, e que não convergem em nada com o SUS, com os interesses da soberania nacional e muito menos com o futuro estratégico da Funed, que inclusive se tivesse acesso aos seus superávits bilionários dos últimos anos, não precisaria de nenhum financiamento externo e dinheiro sujo de lama e sangue para se reestruturar.
A Funed tem orçamento, tem pessoal, e tem capacidade para se reformar e se ampliar, o que precisamos é autonomia política, administrativa e financeira para decidir nosso futuro alinhado com os princípios do SUS, política que, essa sim, devemos estar submetidos, e não aos interesses internacionais de ampliação dos lucros do setor privado na saúde.