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28 de abril: Pandemia coloca trabalhadores da saúde no debate do Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho

 28 abril 2020 site

O dia 28 de abril é marcado mundialmente como uma data em memória das vítimas de acidente de trabalho. A data foi instituída na década de 60, mas se mantém não somente atual como também ganha infelizmente novos exemplos de como é fundamental debater o mundo do trabalho para a preservação da vida. No Brasil, os temas dos últimos anos já davam contornos atuais das tragédias que colocavam as condições de trabalho e relações sociais precisavam urgentemente se tornar central: os crimes da Vale em Mariana e, em seguida, Brumadinho foram relembrados nesta data. Este ano mais uma vez nos vemos em um cenário que apresenta a necessidade de união da classe trabalhadora para proteger suas vidas. 


O Sindicato Único dos Trabalhadores (Sind-Saúde/MG), em parceria com o Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador e Trabalhadora de Minas Gerais, homenageia os trabalhadores da saúde que foram contaminados ou morreram no combate à COVID-19. A falta de EPI e precárias condições de trabalho elevam o risco de contaminação pela doença. Os casos de subnotificação também deixam incerta a realidade dos trabalhadores da saúde. A engenheira de segurança do trabalho, Marta Freitas acrescenta a dificuldade de tipificar a contaminação da COVID-19 com acidente de trabalho como um dos problemas que os trabalhadores da saúde enfrentam. Veja a entrevista que a engenheira de segurança do trabalho, Marta Freitas concedeu ao Sind-Saúde como parte da reflexão do dia 28 de abril: 

 Marta de Freitas

Como a senhora percebe a situação dos trabalhadores brasileiros, em especial dos profissionais da saúde, nesse cenário de pandemia no Brasil?

 

Marta Freitas:  A pandemia do COVID-19 mostrou primeiro uma realidade do mundo de trabalho no Brasil que desconhecia, os dados que vinha sendo divulgados eram de 12 milhões de desempregados, que somando aos desalentados e empregados informais e precarizados eram cerca de quase 40 milhões de brasileiros, no entanto os mais de 70 milhões de pessoas que estão correndo atrás dos auxilio emergencial mostra que um terço da população brasileira está atualmente fora do mercado formal de trabalho.

A pandemia desnuda para o país as condições precárias de trabalho dos trabalhadores de saúde. Os trabalhadores da saúde, dos auxiliares de serviços gerais até os profissionais especializados, que trabalham nas unidades de saúde públicas e privadas recebem baixos salários, não percebem o adicional de insalubridade de 40%,  trabalham 12 ou mais horas por plantão com equipes reduzidas, falta equipamentos para cuidado, não recebem os EPI necessários, sofrem violinhas físicas e mentais, além de outras mazelas.

 

Os casos de falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) é uma realidade infelizmente comum em todas as regiões do Brasil, qual a orientação que deve ser dada aos trabalhadores para preservação da sua saúde no exercício da profissão?

 

Marta Freitas: A falta de EPI já era uma realidade, apesar de ser uma exigência legal nas normas regulamentadoras de saúde e segurança do trabalhadores, como as NR 1 – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, NR 6 – Equipamentos de Proteção Individual – EPI e a NR 32 – Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde, em diversas legislação da saúde pública e do SUS, como por exemplo a Lei Nº 11.350/2006,com suas alterações que regulamenta as atividades dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias e até nos Estatutos dos Servidores Públicos, o pedido de fornecimento de EPI adequados e em quantidade suficientes para os trabalhadores da saúde tem sido uma pauta constante dos sindicatos dessas categoria.

A COVID-19 por ser altamente contagiosa exige um uso maior de EPI, em especial máscaras de proteção respiratória para proteção dos riscos biológicos e como as organizações de saúde públicas e privadas não preparam ou não acreditaram para o enfrentamento do coronavirus, falta os equipamentos essenciais para os trabalhadores da saúde executar as atividades e cuidados com os doentes. Sem EPI o trabalhador da saúde tem um dilema: cuidar dos doentes ou se proteger.

Acho que dado a falta de condições de trabalho e diante da COVID-19, o trabalhador não deve executar nenhuma atividade que envolva risco de vida. Para o atendimento de pacientes com riscos de vida devido a coronavírus ou outras patologias deve ser uma decisão individual.

Lembramos que a Norma Regulamentadora NR 1 – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais estabelece que o “trabalhador poderá interromper suas atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao seu superior hierárquico.”

 

A contaminação pela COVID-19 é tipificada como um acidente de trabalho?

Marta Freitas: A Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, preservando o interesse empresarial  estabeleceu no artigo 29 que “Os casos de contaminação pelo coronavírus (COVID-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. Apesar de alguns trabalhadores, como os das saúde, supermercados, farmácias e postos de gasolina, terem maior facilidade em comprovar o nexo causal, para reconhecimento da COVID-19 como doença ocupacional caberá ao trabalhador comprovar ao INSS que a sua doença está ligada ao trabalho.

 

Qual é a confiabilidade dos testes rápidos que os trabalhadores da saúde estão sendo submetidos?

Marta Freitas: Os testes rápidos têm um índice de confiabilidade que não é 100%, o que gera muitos resultados falso positivo ou falso negativo. Além disso, dado a sobrecarga no sistema de saúde tem ocorrido falhas na coleta, armazenamento e até na realização do exame, gerando outros problemas na testagem.

 

Uma grande preocupação sobre os dados relacionados à COVID-19 são as subnotificações, como a senhora percebe esse problema para os trabalhadores da saúde?

Marta Freitas: A não realização de testes em massa da população, o colapso dos hospitais, UPA e cemitérios, o aumento de óbitos por pneumonia, insuficiência respiratória e outras doenças respiratórias indicam que o número contaminados e principalmente de mortes é muito maior do que os informados. Neste cenário de desconhecimento da real situação do COVID-19 no Brasil aumenta os riscos de contaminação dos trabalhadores da saúde e de todos os outros dos serviços essenciais.

 

Os casos de COVID-19 também elevaram a sobrecarga de trabalho dos trabalhadores da saúde, você acredita que outros adoecimentos podem se agravar neste período?

Marta Freitas: E como! Além da fadiga física e mental, o adoecimento e sofrimento mental aumentou, em especial a depressão e o Bournout [ a síndrome de Bournout é um esgotamento profissional que leva a problemas físicos e emocionais]

 

Quais medidas o trabalhador pode tomar para exigir as prevenções necessárias para acidentes de trabalho e em especial no caso da COVID-19?

Marta Freitas: Denunciar as condições de trabalho para que os sindicatos e os órgãos públicos possam exigir o condições adequadas de trabalho.

 

Como surgiu o dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho?

Marta Freitas: 28 de abril é o dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidente de Trabalho e Doenças Ocupacionais, data que mais do que lembrar do acidente que matou  78 mineiros em uma mina na América do Norte em 1969, busca chamar a atenção da sociedade mundial sobre o crescente número de acidentes e doenças do trabalho devido às precárias condições de trabalho. É um momento também para exigirmos melhores condições de trabalho e proteção para os trabalhadores.

 

Essa pandemia reacendeu o debate sobre a seguridade social, a importância de uma saúde pública e a crise agravada pela informalidade, o que você acha que fica de reflexão para ser defendida pela classe trabalhadora brasileira?

Marta Freitas: A pandemia está mudando o mundo. O trabalho de forma que conhecemos não será o mesmo e vai exigir um novo olhar para os milhões de trabalhadores precarizados, informais e ou marginalizados. Repensar a seguridade social, entendendo como tal trabalho, saúde, educação, previdência social é outro desafio que a COVID-19 trouxe para todos nós.