Projeto de fusão da Funed, ESP-MG e Hospital Eduardo de Menezes preocupa trabalhadores da saúde

Veja como foi o debate sobre o CMC:

O debate acerca da fusão de importantes instituições públicas de saúde, formação e pesquisa em Minas Gerais por parte do governo do Estado tem gerado dúvidas e insegurança entre os trabalhadores e trabalhadoras da saúde. Uma das principais preocupações é como esta fusão poderá prejudicar os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Com o objetivo de ouvir as partes envolvidas neste processo, foi realizado, nesta quarta-feira (16), um seminário virtual sobre a minuta do Projeto de Lei do governo de Minas de criação do chamado Centro Mineiro de Controle de Doenças, Ensino, Pesquisa e Vigilância em Saúde (CMC).

O projeto prevê que o CMC passaria a abarcar o Hospital Eduardo de Menezes (HEM-Fhemig), a Fundação Ezequiel Dias (Funed) e a Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG). Vale lembrar que essas instituições são referência em saúde, pesquisa e formação, além de pioneiras e inovadoras em muitas de suas especificidades. No encontro, foram ouvidos conselheiros de saúde, representantes das entidades envolvidas e dos trabalhadores e trabalhadoras, representantes das respectivas gestões, da Secretaria Estadual de Saúde (SES) e outros representantes da classe trabalhadora, como o diretor do Sindi-Saúde, Renato Barros, e o bioquímico e sanitarista José Agenor Álvares da Silva, indicado pelos trabalhadores das três instituições para falar em nome deles.

A fusão de três instituições de renome no cenário nacional preocupa por muitos motivos: pela falta de uma descrição clara sobre como se dará o financiamento ao CMC, pela ausência de equipamentos importantes como o ambulatório trans localizado no Eduardo de Menezes no texto do projeto e pela incógnita sobre esses equipamentos serem mantidos ou não na fusão.

Além disso, o texto também não deixa claro como ficarão os planos de carreira dos profissionais lotados nestas instituições, gratificação, jornada de trabalho e estabilidade, e nem como dá garantias de que os usuários do SUS ainda poderão contar com a mesma estrutura e equipamentos que os recebem atualmente.


Autonomia ameaçada
O projeto foi apresentado pela subsecretária de Vigilância em Saúde da SES, Janaína Passos, que elencou os desafios no contexto sanitário, falou sobre as doenças negligenciadas e infecciosas, sobre o impacto econômico que o CMC pretende alcançar e sobre a importância de se integrar as instituições de saúde.

Já para o bioquímico e sanitarista José Agenor, que falou em nome dos trabalhadores das instituições envolvidas, o projeto pode ser prejudicial, uma vez que mexe em instituições que têm tanta história e relevância fundamental para a saúde no Estado e no Brasil. Ele é pesquisador da Fiocruz e já foi Ministro da Saúde, diretor da Anvisa, secretário executivo e superintendente da Funed.


“A Funed, por exemplo, é a maior produtora da vacina meningocócica, e é a única instituição que fornece essa vacina para todo o Brasil. A escola também tem uma história importantíssima, e nos impõe a pensar quando mexemos em instituições que são seculares, que têm marca, que têm grife. Lembrando também da importância da Atenção Primária em Minas Gerais. Há estudos que mostram que 80% dos problemas de saúde são resolvidos na Atenção Primária”, esclarece.

O representante dos trabalhadores do Hospital Eduardo de Menezes, o técnico de enfermagem Eduardo Martins, e a diretora de Comunicação e Formação do SUS na mesa diretora do Conselho Estadual de Saúde, Fernanda Coelho, também pontuaram que é possível fazer uma integração, fortalecendo as instituições sem necessariamente extingui-las na fusão.

O diretor do Sind-Saúde, Renato Barros, lembrou ainda da luta que houve no passado para tornar a ESP-MG justamente uma entidade autônoma: “As instituições já estão constituídas. A Funed já é parte da SES e a Escola de Saúde já teve uma luta histórica para buscar sua
autonomia. Não existe nenhuma garantia efetiva de uma fonte de financiamento com a criação do CMC, por exemplo”.


Especificidades
Quando se pensa em saúde pública e universal, como o SUS, estamos falando da humanização do tratamento, da proximidade entre o profissional e o paciente e seus familiares.


E é isso que pode estar em cheque quando se fala em colocar sob um mesmo guarda-chuva a Funed, a ESP e o Eduardo de Menezes. São entidades centenárias que têm nomes conhecidos inclusive no cenário mundial de saúde. Com a fusão, elas podem perder a identidade e, consequentemente, sua história.


O presidente do Conselho Hospitalar do HEM-Fhemig, Denilson Gonçalves, se preocupa com os usuários e profissionais da instituição. “Como vão ficar os pacientes, como vai ser o funcionamento disso? Porque já temos todo um esquema de ambulatórios. Temos, inclusive, o
ambulatório trans, e eu não vi ele sendo sequer citado no projeto. Parar algo que começamos é ruim. Qual melhoria essa fusão vai trazer pra gente? Como ficará o plano de carreira desses trabalhadores, eles vão sair da Fhemig para entrar no CMC?”, questiona.

A preocupação da Leida Uematu, representante da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais, é sobre o risco de uma regressão no aperfeiçoamento e humanização do tratamento em Saúde Mental. “A ESP-MG, por exemplo, tem grande importância na formação de profissionais desta área, como psiquiatras. Nesta junção nos preocupa o que a Saúde Mental pode perder, porque são muitas questões dentro disso: controle social, a promoção do usuário e do familiar, enfim, toda essa pluralidade própria do SUS. O nosso medo é se perder, com a junção, toda essa capacidade de unir usuários, trabalhadores e familiares”, explica.


Integrar sem fundir
É consenso entre os trabalhadores e trabalhadoras destas instituições que a fusão pode ser prejudicial para eles e também para os usuários. A maioria dos conselheiros de saúde e especialistas reverberam o mesmo sentimento. “Não é preciso a extinção de três unidades para se criar uma nova. Fusão não presume integração. A integração acontece com articulação entre as instituições, com comunicação”,
comenta o representante dos trabalhadores da Funed, Érico Colen.

A Conselheira Estadual de Saúde, Gláucia Batista, enfatiza: “Não se desfazem instituições centenárias que estão dando certo. O SUS é capilarizado em todo o Estado e em todo o país. Se não há integração, então, é a gestão que deveria se organizar para isso acontecer. Entendemos ser o mais coerente manter as instituições autônomas, fortalecendo todos os seus segmentos, especialmente a vigilância em saúde”, conclui.


O encaminhamento que o Conselho Estadual de Saúde deliberou após o seminário foi convocar uma plenária extraordinária sobre o projeto e, então, dar o seu posicionamento sobre o CMC. A plenária ainda não tem data prevista.