Por que Cameron é contra Belo Monte?

Eron Bezerra *

 

Belo Monte provoca impacto ambiental? Claro que sim. Mas, sem dúvidas, um “pouco” menos que o arsenal nuclear da Europa e dos Estados Unidos que, estranhamente, nunca mereceu preocupação do Sr. James Cameron, que acaba de liderar manifestação no Brasil contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no estado do Pará.

 

Espero, honestamente, que essa indevida e afrontosa intromissão à nossa soberania não tenha sido a causa determinante para a decisão do Ministério Público em suspender a licença ambiental da referida obra.

 

Até porque esta decisão, de caráter meramente protelatório, uma vez que este processo se arrasta há mais de 20 anos, representa, igualmente, uma intromissão nas prerrogativas do poder executivo e seus instrumentos legais, no caso o IBAMA, a quem é atribuída esta competência.

 

Tal decisão é, por outro lado, uma clara tomada de posição em favor de uma concepção ideológica – o santuarismo – novamente expressa na manifestação liderada pelo senhor Cameron, a qual, ao lado do produtivismo e do sustentabilismo, forma a essência das concepções que animam o debate em torno do uso e da ocupação da Amazônia. Sem compreendê-las é praticamente impossível entender a causa de tanta radicalidade em torno desse e de outros debates.

 

Não há ação humana ou natural sobre a face da terra que não provoque impacto ambiental. Isso é dialético, científico. O que se discute é como minimizar esse impacto ou até mesmo se a ação em questão é realmente necessária. É a partir dessa premissa que se deve discutir a construção da hidrelétrica de Belo Monte.

 

Acompanhei pessoalmente o inicio desse debate, quando todos nós tínhamos dúvidas sinceras da oportunidade de tal empreendimento. Assisti a brava índia Tuíra, em 1989, quase degolar, com um facão, um funcionário da Eletronorte que tão somente cumpria a sua tarefa de tentar executar o projeto.

 

Na época a hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, estava em construção e já se sabia que ela inundaria milhares de km2 de área para produzir uma quantidade irrisória de energia. Tínhamos, ademais, uma opinião firmada de que a floresta inundada provocaria uma catástrofe ambiental, o que nos colocava automaticamente numa posição refratária a toda e qualquer ação que não oferecesse segurança e racionalidade a sua execução.

 

Tínhamos, portanto, ponderações e cautela que se revelaram justas, na medida em que a partir delas se adotou um conjunto de ações para minimizar o impacto ambiental de obras na Amazônia e, ao mesmo tempo, fazer compensações sociais às comunidades atingidas.

 

Por outro a ciência e a vida prática se encarregou de demonstrar que a floresta inundada de Balbina não se converteu na catástrofe que a nossa incipiente pesquisa sugeria.

 

Pode-se afirmar, portanto, que a eventual concepção produtivista existente nos primórdios do projeto evoluiu para uma concepção de desenvolvimento sustentado, não havendo maiores obstáculos políticos e legais para a execução da obra.

 

As ponderações atuais, infelizmente, não são de natureza técnica e muito menos de preocupação ambiental. São de natureza política. Expressam a concepção santuarista que advoga a Amazônia como patrimônio da humanidade e, consequentemente, como patrimônio da humanidade.

 

É isso que explica a presença e a manifestação do senhor Cameron e seus pares condenando a construção da hidrelétrica de Belo Monte. A ausência do poder público nessa e em outras áreas da Amazônia, por outro lado, é o caldo de cultura que propicia e alimenta a influencia desses personagens entre os nossos irmãos deserdados. E a influência que ele parece exercer nos setores médios decorre do que eu chamo de “síndrome de periferia”.

Fonte: Portal Vermelho