Onda de homenagem e solidariedade

Com poesia, servidora da saúde homenageia atingidos por crime da Vale em Brumadinho

Natalia poesia brumadinho


A servidora pública da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) Natália Vieira retratou sua sensibilidade com crime socioambiental da Vale em Brumadinho através de um belíssimo poema. Enfermeira, Natália Vieira vivenciou de muito perto o dia a dia desde o trágico rompimento da barragem. Ela trabalha na Casa de Saúde Santa Izabel (CSSI), ex-Colônia de hanseníanos que fica em Betim. A unidade da Fhemig também sofreu impactos a partir do rompimento da barragem. Os servidores foram mobilizados no dia do ocorrido para sair do local que é próximo à Brumadinho. Eles precisaram retirar os pacientes acometidos pela hanseníase que ainda se encontram em tratamento na UAGC (Unidade de Atendimento Gustavo Capanema) e tiveram a rotina hospitalar alterada. Natália transformou seu sentimento em poesia:

tragedia-brumadinho

Apesar de toda lama,

Toda fama,

Todo drama,

Acordo, tomo meu café

e bato ponto as 8.

 

Sonhos silenciados com ferro.

O maior medo de uma mãe.

O soluço do filho no ventre,

o que não vai conhecer o pai.

 

E a vida insiste em seguir

quando meu íntimo chora.

Meu Deus, tantos da minha década 

indo embora. Por quê?

 

O barro é vermelho.

O sangue é vermelho.

Vermelha também é a rosa

que encontrei hoje no meu jardim.

 

O que devemos aprender com isso tudo?

Pra mim nada faz sentido.

Enquanto penso nisso,

Minha menina roe as unhas

e ri do desenho animado. 

 

Quanto vale a vida humana?

Quanto vale a vida, Vale?

A matemática serve para calcular os lucros,

mas não serviu para calcular o óbvio. 

 

Por falar em óbvio, é o ódio. 

Aconteceu tudo aqui tão perto.

Mas apesar de toda lama,

tenho que ir trabalhar. 

 

E sorrir,

E cantar,

Cozinhar,

Limpar, cuidar, amar.

Fazer o que deve ser feito: Viver.

Mas o que eu faço com esse aperto no peito?

 

O escorpião corre em minhas veias.

Isso me causa sede.

Uma vingança que nunca acontecerá. 

É claro, como boa brasileira que é

nossa justiça vai tardar. Falhar.

 

A noiva espera o noivo.

Os gêmeos, os pais.

Do ferro agora eu só queria um coração 

que não se contorcesse com tamanha insensatez.

 

E com toda essa lama,

Toda fama,

Todo drama,

anseio acordar

e ouvir sua voz

dizendo que só tive um pesadelo.

 

Agarro-me à flor no jardim,

Ao riso da menina,

Aos boletos a pagar,

À visita da avó.

A este dia a dia corriqueiro

como daqueles que também

bateram ponto 25 de janeiro.