Altamiro Borges: A mídia brasileira é o pior dos mundos
A constatação acima é do jornalista e secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, Altamiro Borges, autor de A Ditadura da Mídia e um dos principais pensadores sobre o papel da comunicação no país. Entrevistado do mês no Blog do Zé Dirceu, ele explica essa sentença e alerta para o paradoxo vivido atualmente pela imprensa brasileira: ao mesmo tempo em que nunca teve tanto poder, ela sofre hoje um processo de perda de credibilidade e de fragilidade frente às novas tecnologias.*
Para Altamiro, a transformação necessária à imprensa brasileira começa por uma questão central: direito de resposta. “A lei de imprensa devia garantir o que está na Constituição, que fala de presunção da inocência. Mas, a mídia brasileira trabalha é com a presunção de culpa”, afirma. Ele defende que caminhemos no sentido de garantir a pluralidade e diversidade na imprensa.
As relações entre comunicação e poder econômico – objeto de observações do seu livro – podem ser comprovadas, segundo o jornalista, na análise dos principais episódios da história brasileira. De Getúlio Vargas, passando pela ditadura militar e as Diretas Já, até chegar ao desmonte do Estado pelo neoliberalismo, Altamiro nos oferece um panorama histórico que mostra o processo de concentração do poder e a formação do monopólio dos grandes grupos de mídia.
Defensor da pluralidade, o jornalista também nos conta como anda a radiodifusão comunitária brasileira e aponta as dificuldades e injustiças que hoje cerceiam as rádios comunitárias no país. Sobre a Conferência Internacional de Comunicação (Confecom), programada para 14 a 17 de dezembro, cita Gramsci: “É bom ser pessimista na análise e otimista na vontade da transformação”. Altamiro está satisfeito com o processo que conduz à Conferência, sobretudo pelo caráter pedagógico de que está se revestindo.
Zé Dirceu: Como você avalia a mídia brasileira hoje sem qualquer regulamentação ou controle público? O que é necessário para se fazer respeitar princípios e direitos elementares como o de resposta e de imagem e, no mínimo, o direito ao contraditório?
Altamiro Borges: A mídia brasileira é o pior dos mundos. É altamente concentrada e não tem regra nenhuma. Diferentemente da Europa que tem uma grande presença da rede pública, principalmente a partir da II Guerra mundial, aqui não tem. Os únicos presidentes que tentaram foram o Getúlio [Vargas] com a Rádio Nacional – por isso apanhou um bocado – e agora, no segundo mandato do presidente Lula, a construção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Mas, a Rádio Nacional que chegou a ser uma rádio potente, 5ª em audiência no mundo, não conseguiu prosperar.
Então, a mídia brasileira não tem concorrência no setor público. Ela é basicamente privada e totalmente desregulamentada. Nos Estados e na Europa, eles têm uma regulamentação que dificulta, por exemplo, a propriedade cruzada. No Brasil, isso não existe. Uma mesma família é dona de TV, rádio, revista, internet, editora etc. Se a mídia por si só nunca terá neutralidade, aqui ela vai ter esse problema. Além da ausência da rede pública e de qualquer regulamentação, ela tem um processo de concentração muito violento. Há algum tempo falava-se em nove famílias que dominavam a mídia brasileira. Hoje, não são nem mais nove, são cinco famílias, e algumas em processo de falência.
Portanto, temos uma mídia altamente concentrada e sem regra nenhuma. Quanto à questão da lei de imprensa, sempre a criticamos porque era do regime militar. Agora, tirar a lei de imprensa para ficar libertinagem de imprensa é um extremo que não podia ocorrer. Você não ter garantido o direito de resposta é uma aberração. E hoje o poder dela é maior, mas paradoxalmente mais vulnerável.
A mídia sempre se comportou dessa forma. É só você pegar a história da imprensa brasileira, principalmente de meados do século passado para cá. Por exemplo, ver a postura da imprensa no governo Getúlio Vargas. E hoje o poder dela é maior, mas paradoxalmente mais vulnerável.
“Se tomar posse, a gente derruba.”
É isso a mídia brasileira.
Getúlio chegava a dizer que a burguesia brasileira era muito burra, porque ele a estava fazendo ceder os anéis para não perder tudo – na questão do salário mínimo – e a imprensa na época batendo. O discurso do Carlos Lacerda, da Tribuna da Imprensa, contra a candidatura do Getúlio nos anos 50 era “não pode ser candidato, se for não pode ser eleito; se for eleito, não pode tomar posse; e se tomar posse não pode governar, a gente derruba”. É isso a mídia brasileira. Com essa expressão, Lacerda a sintetizou.
É só ver o papel da mídia no golpe de 64. A Folha de S.Paulo na minha opinião deu um tiro no pé ao usar a expressão “ditabranda” (em relação à ditadura). A resposta da ministra Dilma Rousseff foi muito precisa: “só se foi ditabranda pra vocês, para mim foi didatura”. Na verdade, com exceção do (jornal) Última Hora, toda a imprensa pediu o golpe e comemorou. Depois, alguns engoliram o próprio veneno. Mas ela teve esse papel no golpe, depois na retomada das lutas grevistas. É impressionante como foi uma mídia que procurou e continua a procurar até hoje, criminalizar qualquer tipo de luta social. Pega o papel da mídia na campanha das Diretas, foi vergonhoso. Nesse caso, a exceção foi aFolha de S.Paulo que percebeu uma mudança de correlação de forças e apostou numa outra alternativa. Agora, a Rede Globo escondendo o Comício das Diretas em São Paulo…
Há um belíssimo estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o papel da mídia na Constituinte. É impressionante. Foi contra todas as bandeiras de interesse dos trabalhadores, de defesa da nação e pela soberania.
Então, na minha opinião, é uma mídia que reúne o que há de pior. Lógico que tem exceções. Com isso não estou querendo dizer que a produção de conteúdo, como um todo, seja uma porcaria. Pelo contrário. Há coisas boas. A teledramaturgia no país é muito respeitada, bem produzida. Você tem bom jornalismo ainda. Eu tive agora a alegria de participar da comissão julgadora do Prêmio Vladimir Herzog na categoria jornais. Fiquei impressionado com a riqueza do material. Você tem bom jornalismo sendo produzido no Brasil. Com isso, ao falar que reúne o que há de pior, não estou querendo negar tudo.
Há coisas muito boas, mas no geral ela tem essas duas grandes marcas: a de uma concentração pior do que todos os lugares do mundo, totalmente desregulada; e uma capacidade de manipulação muito alta.
A lei de imprensa deveria garantir
o que está na Constituição
Dirceu: O que vc considera o básico numa Lei de Imprensa para garantir democracia e o mínimo de igualdade da informação?
Altamiro: Começa por uma questão central: direito de resposta. A lei de imprensa devia garantir o que está na Constituição que fala de presunção da inocência. Hoje, a mídia brasileira trabalha é com a presunção de culpa. Ela primeiro aniquila a pessoa e, depois, se tiver algum reparo a fazer põe uma notinha fazendo o reparo. Então é garantir a Constituição brasileira que fala de presunção da inocência.
Nós devíamos caminhar para mecanismos de garantia da pluralidade e diversidade na imprensa. O presidente da Bolívia, Evo Morales acabou de aprovar um projeto que garante ao jornalista a questão de consciência, a chamada cláusula de consciência – que na Europa já existe – em que ele tem direito de dar a sua opinião. Muitas vezes, ele faz uma boa matéria. Perseu Abramo falava que o problema não está em fazer uma boa matéria, mas nos padrões de manipulação da edição quando você oculta ou realça de acordo com os seus interesses, e o jornalista fica vendido. Então, a cláusula de consciência, nesse caso da Bolívia, está aprovada.
O jornalista e o movimento social têm uma coluna no jornal e três minutos na TV para dar a sua opinião. Isso é garantir pluralidade e diversidade mínima. Essas três questões: direito de resposta, presunção da inocência e espaço para o contraditório seriam questões centrais numa lei de imprensa.
Dirceu: O governo Lula adotou medidas como a criação da TV pública e convocação da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Você está de acordo com essas medidas? O que mais seria necessário para avançar no sentido da democratização da informação?
Altamiro: Eu tenho uma avaliação crítica do governo Lula em relação à comunicação. Concordo, nesse sentido, com o professor Bernardo Kucinski em alguns pontos. No primeiro mandato, o governo Lula foi muito tímido em relação à comunicação. Foi um misto de ilusão com um certo pragmatismo.
Dirceu: Fora o recuo em relação ao Conselho Federal de Jornalismo e a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav).
Altamiro: Exato. O Conselho Federal de Jornalismo nem era uma proposta do governo, mas da Federação Nacional dos Jornalistas.
Dirceu: Nas duas medidas não havia nada quanto a restringir o direito de informação da imprensa, mas ela transformou as duas propostas em censura…
Altamiro: Na Ancinav foi a mesma coisa. Não restringia nada na produção. Então, no primeiro mandato… Também não achei legal Lula ter sido eleito e no dia seguinte já dar uma entrevista exclusiva para o Pedro Bial e estar do lado da Fátima Bernardes e do William Bonner, no Jornal Nacional. Foi uma sinalização, no meu entender, que não precisava. Mas está feito.
O governo chegou a apresentar algumas idéias e recuou rapidamente. E acho que cedeu em várias coisas. O tal do padrão digital japonês, por exemplo. Nós estávamos fazendo um processo de produção própria. A Universidade do Rio Grande do Sul estava produzindo o nosso padrão digital. Então, o comportamento no primeiro mandato não foi legal. Mesmo a Radiobras, tenho a impressão que ela reproduz exatamente o mesmo tipo de cobertura que a mídia comercial realizava, um negócio terrível.
Dirceu: Ontem eu vi no Jornal Nacional o noticiário sobre a queda de vigas de um viaduto do rodoanel. Eles não falam nem em governo do Estado de S. Paulo, nem em PSDB. Não falam José Serra. É só Rodoanel em São Paulo. Não falam o governo.
Altamiro: Imagine se isso tivesse ocorrido numa administração do PT, do PSB, do PTD, do setor do PMDB aliado ao governo…
Uma das coisas mais impressionantes de como a mídia manipula – não temos que nos meter na vida pessoal de ninguém – foi o escarcéu que fizeram com a Marta Suplicy em São Paulo quando ela se separou. Ou o que fizeram com o Lula, no caso da Lurian, que foi uma determinante naquela batalha eleitoral (1989). E agora, o tal Fernando Henrique, o Fracassando Cardoso, reconhece que tem um filho (fora do casamento) que todo mundo sabia, a (revista) Caros Amigos já tinha dado…
Eu acho que o primeiro governo Lula foi tímido em relação à Comunicação. Algumas coisas tiveram a ver com governabilidade, não tem jeito. Quem está fora faz mais críticas do que quem está lá vivenciando. Foi feito um pacto público com o setor financeiro para poder governar, a famosa Carta ao Povo Brasileiro. E foi feito um pacto, que me parece não público, com a mídia, principalmente com esse grupo que hoje monopoliza a mídia brasileira, a família Marinho.
Então, foi muito limitado, ruim o primeiro mandato, na área de comunicação.
Há um papel estruturante da EBC
Já o segundo mandato deu boas sinalizações, como as que você mencionou, a Confecom e a TV pública. A constituição da Empresa Brasi de Comunicação é muito positiva. Está começando, ainda tem um problema seríssimo de recursos. A TV Brasil teria que ter fomento porque não dá para você concorrer com R$ 350 milhões com R$ 6 bilhões, da Globo. Tem problemas ainda de gestão, o movimento social não se sente participando da EBC. Em outras TVs públicas, de outros países, o movimento social tem uma presença maior, mas eu acho que a EBC tem um papel muito positivo – e que a gente nem está percebendo direito – que é o papel estruturante da rede pública no Brasil.
Tenho acompanhado as belíssimas experiências desenvolvida nas TVs Educativas do Pará, de Sergipe, da Bahia. Voce vê que há um papel estruturante de apoio da TV pública. Isso você vai sentir daqui a pouco, não adianta muita pressa. Então a iniciativa da EBC é muito boa. Não é pra menos que a FSP pediu em recente editorial para fecharmos a EBC, a TV Brasil.
Outra atitude muito positiva foi a convocação da Confecom. O governo Lula mostrou coragem. Você tem 47 conferências temáticas que o governo Lula realizou em todo o país. Mobilizou-se 4 milhões de pessoas nesses 47 eventos temáticos. Não ter uma conferência de comunicação não seria uma boa sinalização. Portanto, a Confecom é outro dado de mudança de comportamento.
E você vê, eles (os donos da mídia) não estão gostando da Confecom. Não é pra menos que o governo monta uma comissão organizadora que tem oito entidades empresariais e seis se retiram. Seis das principais, entre as quais a entidade que representa a Folha, o Estadão, o Globo que é a Associação Nacional de Jornais (ANJ), Retirou-se, também, a Associação Brasileira das Emissoras de rádio e TV, a ABERT, que representa a Rede Globo. O que, inclusive, para eles deve ser uma coisa terrível porque cadê o discurso da liberdade de expressão, da democracia que eles fazem? Isso é uma desmoralização total.
Na verdade, o que eles pregam não é liberdade de expressão, muito menos de imprensa. O que pregam é liberdade de empresa, de monopólios. Eles se acham acima do ser humano comum. Fogem do debate, tentam sabotar a Confecom. Aqui em São Paulo, por exemplo, contam com ajuda do governador (José) Serra que nem se dignou convocar a conferência estadual. Não vai ter Conferência de Comunicação convocada pelo governo e a Assembléia Legislativa está fazendo de tudo para sabotar essa conferência estadual também.
Há um outro lado positivo também, a revisão dos critérios de publicidade oficial. Não é, ainda, a revisão ideal. Nós devíamos caminhar para um exemplo que já existe nos países europeus. Na publicidade oficial tem a questão do capitalismo onde prevalece o critério mercadológico da audiência e da tiragem. Mas não pode prevalecer apenas esse critério senão o dinheiro é para os mesmos sempre. Então, você tem que seguir um outro critério que estimula a pluralidade e a diversidade. Várias entidades estão defendendo para a Confecom que se fixe na publicidade oficial 20% para estímulo da pluralidade e diversidade para fortalecer, por exemplo, portais progressistas tipo agência Carta Maior, Revista Fórum, revista Caros Amigos e por aí vai.
Dirceu: Houve também a mudança na distribuição geográfica.
Altamiro: Esse foi um dado importantíssimo. É o que a Folha chamou pejorativamente de “Bolsa Mídia”, como se fosse uma forma de corromper os jornais e TVs. Então, na minha opinião, somando, as medidas positivas do governo Lula na área de comunicação são a EBC, Confecom e publicidade mais regionalizada.
A Confecom já cumpriu
o seu papel pedagógico
Dirceu: Como você está avaliando até agora a Confecom?
Altamiro: [Antônio] Gramsci dizia que era bom ser pessimista na análise e otimista na vontade da transformação. Eu estou muito satisfeito com o processo da Confecom. Primeiro, pelo seu papel pedagógico. Há três semanas houve uma bateria de conferências municipais. Aqui em São Paulo mesmo, foram umas dez ou doze. No Brasil inteiro, cerca de 15 mil pessoas se mobilizaram para discutir comunicação. Na Conferência da Bahia, 400 e poucos inscritos, em Minas idem, na capital paulista, 250 inscritos. Por mim, se terminasse aqui seria até bom. A Confecom já cumpriu o seu papel pedagógico de envolver mais gente debatendo comunicação.
Até hoje nesse setor, algumas entidades tomaram a dianteira e tiveram papel importantíssimo, como o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), o boletim Intervozes que tem dado belas contribuições, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Fitert dos radialistas, o Conselho de Psicologia… Mas é uma coisa muito pequena. São entidades que tiveram a visão de que a comunicação hoje é estratégica, tem centralidade na luta política. É ainda um grupo muito reduzido.
A Confecom escancarou esse processo. Hoje, há muita gente debatendo. Na Conferência da Bahia, por exemplo, estavam lá os índios. As mulheres estão dando um show. Em todas as conferências estaduais e municipais mais da metade dos participantes é de mulheres porque elas sentem muito na pele a forma como a mulher é tratada na mídia.
Então, a Confecom já cumpriu esse papel pedagógico. Acredito que pós-conferência estaremos num outro patamar. Sairemos com maior capacidade de organização. Ninguém participa da Confecom e volta para casa simplesmente. Junto às entidades que já desenvolvem esse trabalho, nós vamos agregar… Tivemos uma reunião das centrais sindicais aqui em São Paulo que foi muito importante, as seis centrais discutindo, tirando documento de 10 pontos para uma plataforma unitária. Então, dará mais organicidade à luta pela democratização da comunicação.
E por fim, aí sim, tem uma polêmica grande: muita gente diz que a Confecom não vai resolver nada. Eu acho que podemos ter vitórias pontuais, sinalizações. Primeiro porque o empresariado está dividido. Há um setor do empresariado que percebe que não dá para continuarmos com esse poder de monopólio de alguns grupos. E tem sugestões para dar, contribuições, por exemplo, na área de distribuição de TV paga.
Segundo, o governo tem dado sinalizações boas. Estou surpreso com as últimas falas do presidente Lula sobre a mídia. Ele é muito sagaz. Ontem mesmo, provocando o Kennedy (entrevista que o presidente deu ao É Notícia, programa do jornalista Kennedy Alencar na RedeTV!) para ver se ele entrava na Confecom, ele disse: “nós vamos fazer a Conferência de Comunicação. Não estou querendo colocar ninguém contra a imprensa, mas a imprensa tem que perceber que não dá para continuar do jeito que está”. Eu acho que o governo tem dado sinalizações muito positivas.
Rádios comunitárias: o processo
de outorga é muito lento.
Dirceu: Em relação à radiodifusão comunitária, como você vê esse processo hoje?
Altamiro: Está terrível. A postura diante da radiodifusão comunitária é muito ruim, é de criminalização. Você tem 8 mil radiodifusores comunitários processados. O (prefeito paulistano Gilberto) Kassab (DEM-PSDB) outro dia fez uma festa aqui em São Paulo passando o rolo compressor em cima de transmissores de rádiodifusão comunitárias. A Anatel continua torrando o saco das rádios comunitárias naquelas peruinhas. Já não chega a Polícia Federal (PF) – que tem feito trabalhos excelentes em outras áreas – ter que cumprir esse papel de prender e pegar equipamentos? Tem tanto bandido de colarinho branco por aí, e a PF tem que ficar enchendo as paciências de quem está fazendo rádio para a comunidade… Nessa questão da radiodifusão comunitária a posição hoje é muito ruim. Tem mais apreensão hoje das rádios comunitárias do que havia nos governos anteriores. A média é de uma por dia.
Dirceu: Rádios piratas ou comunitárias? Quais estão fechando?
Altamiro: Fecharam agora rádios comunitárias. Qual o problema que você tem na rádio comunitária? Primeiro é que o processo de outorga é muito lento – a não ser que o cara tenha algum esquema com quem manda. Há rádio comunitária que estão há sete anos, 14 anos pedindo outorga e não conseguem.
Dirceu: É uma licença precária?
Altamiro: Uma licença precária. A rádio comunitária é uma comunidade que está querendo fazer o seu trabalho. Veja um caso: há uma rádio comunitária feita por dois deficientes visuais destinada a ajudar esse setor. Eles não conseguiram outorga! Acabou de falecer um deles. Veja a Rádio Favela de Belo Horizonte! Fazem um trabalho belíssimo e já ganharam dois prêmios na ONU. Tem um filme a respeito inclusive. Conversa com o Misael [Avelino dos Santos], responsável pela emissora, ele te mostra o pulso que tem as marcas de algema. Ele foi preso vários vezes, fecharam a rádio várias vezes.
Por que isso ocorre? Porque a outorga não sai. A rádio fica clandestina e aí vem a perseguição. Na minha opinião, tem que primeiro acabar com o processo de criminalização das rádios comunitárias. Segundo, tem que fixar regras para evitar que elas sejam contaminadas – porque isso já existe. O professor Venício de Lima já demonstra isso. Cerca de 10% é de igreja. Outro percentual alto é vinculado a políticos fisiológicos. E uma parcela das comunitárias é comercial. Hoje, com outorga são 3 mil e há aproximadamente 14 mil em processo enfrentando essa burocracia da Anatel.
Um consenso em todas as Confecoms – municipais e estaduais – é que não dá mais para continuar nesse processo de criminalização. Também é preciso estabelecer regras que impeçam que as rádios comunitárias se desconfigurem, É preciso otimizar o processo de outorga a partir e regular, também, porque você não pode ter dez rádios comunitárias no mesmo local. Mas a campanha que fazem contra é de um exagero tremendo.
Dizem que temos que tomar cuidado com as rádios piratas porque irá ocorrer o que acontece na avenida Paulista – impedir a recepção e sintonização de emissoras de rádio. Mas, na Avenida Paulista não tem rádio pirata. Tem convencional. Então, já que querem criticar, que usem um exemplo correto.
Óbvio que tem que ter regulação. Mas, temos que tomar cuidado com o exagero. E tem aquela coisa de que “rádio pirata derruba avião”. Se rádio pirata derrubasse avião, Osama Bin Laden teria utilizado outra tática nos Estados Unidos. Isso é conversa fiada. A potência que tem uma rádio pirata, de 25 watts, derruba avião?
Temos que parar com esse processo de criminalização e evitar a utilização errada, seja para que fins, de rádio comunitária. E acelerar o processo de outorga. E mais do que isso, devíamos fazer o que o Uruguai está fazendo. O professor [Denis de] Moraes tem um livro belíssimo, “A Batalha da Mídia” no qual descreve isso, essa legislação e processo uruguaios com a radiodifusão comunitária.
No Uruguai é um primor, porque além de legalizar eles incentivam, criam redes, facilitam a aparelhagem, barateiam, promovem cursos para aperfeiçoamento porque sem capacitação será uma rádio precária. Se nós aplicássemos aqui o que tem sido feito em termos de legislação e de política pública de radiodifusão comunitária em outros países… Essas rádios cumprem um papel muito bonito. Você dá mais voz, para mais gente poder falar. A rádio comunitária é a voz de quem não tem voz. Isso cria um laço na comunidade. E é de uma criatividade enorme. Nesse ponto a gente pode avançar na Confecom. Eu acho muito difícil sair da Conferência Nacional deixando esse debate da rádio comunitária do jeito que é hoje, com a Anatel e a PF perseguindo as pessoas.
Impacto da Internet é comparável
ao do rádio nos anos 20
Dirceu: Como você vê a Internet hoje?
Altamiro: É a segunda coisa que eu acho que a gente avança na Confecom. Vai se criando um consenso quanto à necessidade do processo de inclusão digital. Até por conta das contradições no próprio setor empresarial.
A Internet é um barato. É a tal da dialética. Da mesma forma que houve a aceleração desse processo de rotação tecnológica, de quem tem maior poder econômico, tem mais força para fomentar; por outro lado, essas novas tecnologias abrem brechas. A Internet cria uma brecha comparável ao que foi o rádio na década de 20. O rádio também criou uma brecha na comunicação. A Internet está criando uma brecha maior, que nos leva a situações interessantíssimas. Você hoje tem uma crise violenta da mídia impressa tradicional – saber que o The New York Times teve que penhorar o seu prédio é um barato.
Tem muitos jornais fechando ou indo para a Internet. Pega aqui em São Paulo. A Folha na década de 80 tirava 1 milhão e pouco de exemplares de sua edição dominical. Hoje, ela tira 290 mil exemplares. Isso é dado oficial. A queda foi violentíssima. Está havendo uma migração.
Dirceu: No seu mais recente livro, A Ditadura da Mídia, você fala muito do Getúlio até agora. Por quê? Como se deu o processo de concentração e monopolização da mídia e da informação no Brasil? O que tem no passado que podemos aprender nesse sentido? Foi o poder público que permitiu esse processo de concentração? Hoje a mídia, realmente está vulnerável? Podemos falar que a mídia é um partido político?
Altamiro: A mídia nunca teve tanto poder, porque hoje ela é diferente do que era a imprensa na década de 40, 50, 60, em que ainda era composta de grupos familiares frágeis. Mesmo O Globo era um jornal… Ele passa a ser o que é com a ditadura. Naquele tempo, eram grupos ainda familiares e frágeis. Hoje são grandes conglomerados com muitos interesses envolvidos. Não é mais só informação – é, também, mas tem entretenimento, cultura etc. Não é mais só uma plataforma, é o jornal, a revista, a rádio, a TV, a Internet, a produtora, a distribuidora.
Dirceu: Eles queriam ser donos das telecomunicações e agora não querem que as teles entrem na terra, na área deles. Quebraram por causa disso.
Altamiro: É, apostaram na privatização, no desmonte do sistema para eles abocanharem, mas aí dançaram.
Mas a mídia nunca foi tão poderosa. O professor Denis de Moraes tem um estudo que mostra isso. Hoje você tem nove megaconglomerados no mundo – Disney, Sony etc. Depois 40, numa segunda lista, em que se sobressaem os grupos Clarin, Cisneros, Globo, Televisa/Azteca. Esse é o mundo. Mundo da mídia, com muito poder, diferente do que foi no passado. Isso tem a ver, no meu entender, com a lógica do próprio sistema que é de concentração, com a desregulamentação e também com a revolução tecnológica que exige investimento. Nesse sentido, dá um grande poder econômico e ao mesmo tempo, um grande poder ideológico.
Quem primeiro trabalhou essa coisa da imprensa como partido do capital foi um sujeito chamado Gramsci que tem uma discussão mais atual hoje do que quando ele escreveu na década de 20. Ele disse que quando as instituições do sistema entram em crise, a imprensa ocupa o papel do partido do capital. E isso é cada vez mais forte. Você saber que o Bush contou 930 mentiras para justificar a invasão do Iraque e que a mídia repercutiu acriticamente isso! Só o The New York Times fez uma criticazinha pequeninha sobre isso. É uma vergonha. Veja a mídia aqui, como ela está tratando o golpe de Honduras… É governo “interino”, governo “de fato”. Que governo “de fato”?
A mídia está perdendo
a credibilidade
Esse poder hoje é mais vulnerável. O que explica essa vulnerabilidade? Primeiro é pela própria revolução da tecnologia. A Internet está fazendo falir jornais tradicionais. E está ocorrendo um fenômeno de migração da TV para a Internet, sobretudo com a juventude. O paradoxo é esse. A tecnologia abre essa brecha. O editor do site Rebelión , Pascual Serrano, está insistindo muito numa tese de perda de credibilidade. A mídia está perdendo a credibilidade. Há muita desconfiança, hoje, em relação à mídia.
Esse negócio que o Lula fala, desses que se acham formadores de opinião, é verdade. Eles não formam mais opinião nenhuma. Então, há perda de credibilidade. E há outro fator que explica esse paradoxo: em função de mudanças políticas, principalmente com essa guinada a esquerda na América Latina há menos relação carnal com os Estados Unidos, mais postura de integração.
Dirceu: No caso do Brasil, o modelo monopólico da Globo termina por atrair o capital estrangeiro. Ela não se associou a esse capital, ela defendeu e estimulou a privatização selvagem, mas não na área dela. Só que agora vê que não tem como impedir. Essa é a maior fragilidade do Brasil. Ou eles se associam… Porque de uma maneira ou de outra (o capital estrangeiro) eles vão chegar. Não há como impedir isso, porque na hora em que tiver cota nacional, não tem explicação nenhuma para impedir o capital estrangeiro de entrar.
Altamiro: São essas mudanças na América Latina, políticas, uma guinada mais à esquerda, que colocou a mídia no banco dos réus pelo papel que ela teve na época da ditadura… O Clarín, o El Mercúrio… Ela também foi colocada no banco dos réus por ter sido a principal alavanca ideológica do projeto neoliberal. A grande imprensa justificou todo o desmonte do Estado. Apresentou o setor público como reduto de marajás e por aí vai. E, também, porque ela joga contra esses governos de esquerda. Na Argentina, o Clarín estimulou esse locaute do agronegócio. Teve papel à direta semelhante na Bolívia.
O Emir Sader tem uma pesquisa que mostra que 83% das notícias no ano de eleição, nas rádios TVs e jornais, foram contra o (presidente) Evo Morales. E o povo votou nele. Então essa mídia está no banco dos réus e esses governos começam a efetuar mudanças muito interessantes. Isso fragiliza esse poder ditadorial midiático em países como Uruguai, Argentina, Venezuela, Bolívia (que agora tem um jornal para disputar hegemonia, constituiu uma rede pública inclusive). Há mudanças muito interessantes na Nicarágua. Então, são esses elementos que explicam a fragilidade. A mídia é poderosa e ao mesmo tempo está fragilizada. Agora, quanto ao poder político é exatamente isso que Gramsci já alertava.
Dirceu: A mídia hoje organiza a agenda da oposição, cobra inclusive. Há articulista no Estadão, por exemplo, escrevendo artigo para dizer que nós estamos querendo que o Aécio não seja vice do Serra.
Altamiro: Foi a Miriam Leitão que escreveu semana passada que não existia oposição no Brasil? Que a única oposição era a mídia? Se você pegar a CPI da Petrobras, ela é uma lição. Nem o DEM, nem o PSDB têm interesse sobre isso.
Dirceu: Eles fizeram a encenação, mas queriam que acabasse logo.
Altamiro: Pelo peso da Petrobras, nem essa turma topava a CPI. Luis Nassif está falando que essa CPI foi o mensalão da mídia – ela forçou a CPI. O senador Agripino Maia (DEM-RN) iria querer a CPI na Petrobas? (Um filho do senador teria empresa fornecedora de combustível de aviação, com negócios com a Petrobras). Constituíram a CPI, aí a mídia tirou o time. A ponto do senador Agripino Maia ter dito: “a imprensa nos abandonou na CPI”.
O PL-29 foi muito desfigurado
Dirceu: E na sua avaliação, é boa para o país a aprovação do PL-29 (o projeto ainda se encontra em tramitação)?
Altamiro: O PL-29 está meio morto, Zé. Ele foi muito desfigurado. Marcos Dantas, professor do Rio, diz que apoiou o PL-29, o projeto inicial que teve como relator o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) porque permitiria por ordem nessa caso da TV a cabo, produção nacional, cotas. O projeto original permitiria um regramento que, na área de distribuição, significaria um baque no monopólio. Só que o projeto inicial foi desfigurado. Acho que hoje ele está ruim. Essa semana mesmo já se fala em retirar cotas da PL-29.
Dirceu: A aprovação original permitia acabar com a exigência de 30% de participação máxima do capital estrangeiro na mídia por conta das cotas. O único argumento que eles tem é a desnacionalização.
Altamiro: Temos que tomar cuidado com duas arapucas: uma a de que eles defendem a liberdade de expressão e nós somos contra. Mesmo o termo controle social não é um bom termo, reforça o truque deles: “vocês são contra a liberdade de expressão”.
Dirceu: Melhor que o termo controle social é usar regulação. É melhor falar o que é concretamente, direito de resposta, respeito à honra e à imagem que está na Constituição, direito de resposta e ao contraditório e democratização. E não pode ser um monopólio. Hoje é um cartel.
Altamiro: E tem que ter participação da sociedade. Precisa haver o Conselho Nacional de Comunicação, conselhos estaduais etc.
Dirceu: Precisa ter um órgão regulador. Por que não pode ter um Conselho Federal de Jornalista? Hoje, o jornalista faz o que quer.
Altamiro: Sem regulação, ele se sente acima do Estado de Direito.
Fonte: Portal Vermelho