Presidente da Abrasco alerta: subfinanciamento continua a ameaçar o SUS
Em entrevista ao Sind-Saúde, a presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a médica sanitarista e pesquisadora em saúde coletiva Gulnar Azevedo fala sobre o novo governo e o Sistema Único de Saúde (SUS). Ela aponta que, embora o ministro da saúde Luiz Mandetta descarte retrocessos no SUS e anuncie o fortalecimento da Atenção Básica, os cortes no orçamento previstos pela EC 95 e pela área econômica de Bolsonaro indicam contradições com a fala do novo gestor da pasta. Acompanhe a entrevista.
Sind-Saúde/MG _ Como a senhora está vendo a mudança de comando do governo federal tendo em vista a maior política pública de saúde do país que é o SUS? Será de continuidade ao governo Temer, de ataques ao SUS, ou haverá uma tentativa de preservar o capital político da nova gestão e tentar amenizar o desmonte?
Profa. Gulnar Azevedo _ Algumas manifestações do ministro em seu discurso de posse ressaltando a necessidade de transparência, legalidade e moralidade, princípios fundamentais da gestão pública, trazem um aspecto positivo para a continuidade do SUS. Não fica claro, contudo, o significado de “essencialidade” do gasto público. Quais serão os gastos essenciais?
Entre as prioridades apontadas, como a expansão do atendimento da atenção básica para um terceiro turno, não poderão acontecer sem novos recursos. A mensagem que vem do ministro da economia, Paulo Guedes, é muito clara: manutenção do teto de gastos e mais cortes, se forem necessários. Como, neste cenário, o Ministério da Saúde conseguirá pôr em prática as intenções expressas pelo novo ministro?
Sind-Saúde/MG _ O novo ministro da saúde, Luiz Mandetta, disse, na posse dele, que pretende seguir a Constituição numa alusão às denúncias de desmonte do SUS. Isso é possível, tendo em vista os cortes profundos no orçamento? Conforme dados colhidos na imprensa, o percentual de investimento aplicado no SUS em 2017 foi de 1,8% do PIB contra 3,8% do PIB em 2015. Ainda sem o imperativo dos cortes da EC 95 que entraram em vigor em 2018.
Profa. Gulnar Azevedo _ A afirmação do ministro Mandetta de que não haverá retrocesso na política de saúde e que a Constituição será cumprida, como Estado assumindo o dever de garantir a saúde para todos foi importante e devemos acompanhar se será cumprida. Da mesma forma, a intenção de fortalecimento da Atenção Básica (AB), propondo inclusive um terceiro turno de atendimento pode ser recebido como pontos positivos. Mas se não houver aumento no financiamento, com o investimento na qualificação das equipes multiprofissionais. Tudo isto fica contraditório em um cenário onde os gastos estão congelados por 20 anos. Além disto, é necessário investir em ações intersetoriais que articulem o setor da saúde com os setores de infraestrutura urbana, saneamento, alimentação adequada e educação, entre outros. Ou seja, melhorar a saúde significa ampliar os recursos públicos em saúde e também investir em outras políticas sociais e econômicas que permitam a valorização da vida dos trabalhadores e de toda a população.
Sind-Saúde/MG _ O mesmo novo ministro sinalizou que deverá dar status de secretaria à Atenção Básica, que passou por alterações importantes e negativas por meio da nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) em vigor desde setembro de 2017. O que podemos esperar desse anúncio de ênfase na AB?
Profa. Gulnar Azevedo _ A criação de uma secretaria específica pode ser uma oportunidade de dar prioridade à atenção primária em saúde. Alertamos, porém, que muito cuidado deve ser tomado para que isto não leve a uma fragmentação entre a atenção básica e a atenção especializada, o que comprometeria a concepção do atendimento dentro da linha de cuidado integral tendo a atenção primária como norteadora deste cuidado. O fortalecimento da AB passa necessariamente pela ampliação do seu financiamento, com o investimento na qualificação das equipes multiprofissionais e o reforço da Estratégia de Saúde da Família e também com a articulação do setor da saúde com os setores de infraestrutura urbana, saneamento, alimentação adequada e educação, entre outros.
Apenas mudar de departamento para secretaria não seria suficiente para assegurar os ganhos obtidos nas últimas décadas com a expansão da Estratégia da Saúde da Família que teve efeito positivo em vários pontos como na queda da mortalidade infantil, na diminuição de internações, na diminuição de casos de tuberculose e em outras questões que afetam a saúde de nossa população social e economicamente mais carente. Mais importante do que cria uma nova secretaria no MS é garantir que a Política Nacional de Atenção Básica seja mantida revertendo as mudanças feitas durante o governo Temer que enfraqueceram a prioridade dada à estratégia de saúde da família e o papel dos agentes comunitários da saúde.
Sind-Saúde/MG _ Há planos também de alteração no Mais Médicos. Podemos pensar em redução do programa?
Profa. Gulnar Azevedo _ Isto já aconteceu com a saída dos médicos cubanos e o não preenchimento das vagas para o total de postos que eles ocupavam, em especial nos locais de difícil acesso e nas periferias onde a carência de médicos é grande. No discurso de posse do novo ministro foi mencionada a intenção de criação da carreira de médicos para a saúde pública. Concordamos que a criação esta carreira pode ser um ponto positivo e deveria ser incluir não só médicos mas para todos os profissionais de saúde. Resta saber se com esta estratégia, de fato, viria para reduzir a ocupação dos cargos de direção por indicações político-eleitorais e aumentar a participação de técnicos capacitados. Temos que aguardar e ver quais serão os próximos passos deste novo ministério para solucionar o grave problema de profissionais capacitados para trabalhar no SUS.
Sind-Saúde/MG _ Gostaríamos que considerasse a possibilidade de citar para nós três pontos de atenção, em outras palavras, de bombas que podem explodir, sob a nova gestão do SUS, que ameacem tanto servidores da saúde como a população em geral num sentido de alertar a todos.
Profa. Gulnar Azevedo _ Em primeiro lugar eu citaria como os maiores obstáculos para a garantia do direito à saúde e manutenção do SUS: o subfinanciamento e a relação predatória do setor privado com o setor público.
Além disto, temos que estar atentos para a garantia de que as políticas de saúde exitosas como a Política de Atenção Básica, a Política de Saúde Mental e a Política de Saúde Alimentação e Nutrição, bem como as das áreas sociais que beneficiaram milhões de brasileiros, sejam mantidas e seus retrocessos sejam revistos. Importante ainda lembrar que, embora o Ministro tenha acenado em buscar a aproximação com os médicos e demais profissionais de saúde, a representação dos usuários, dos pacientes e seus familiares é essencial na construção do SUS. Faz falta, portanto, no discurso do ministro uma menção a essas representações e ao Conselho Nacional de Saúde, em particular.