Fhemig tenta terceirizar assistência farmacêutica no Complexo de Urgência e servidores denunciam medidas de precarização do serviço com objetivo de privatizar hospitais

Uma série de mudanças estruturais preparadas a partir da criação do Complexo Hospitalar de Urgência (CHU) – após a fusão do Hospital João XXII, Hospital Infantil João Paulo II e Hospital Maria Amélia Lins – tem chamado atenção de servidores das unidades que denunciam como ações deliberadas para criar uma espécie de “caos da assistência”. Entre os diversos pontos listados, dois preocupam mais os servidores pelo curto prazo que as consequências podem gerar: a primeira é o iminente fim dos contratos temporários no HJPII que pode comprometer o atendimento do Pronto Atendimento para crianças e adolescentes a partir de janeiro de 2022. O segundo, é o anúncio de terceirização da assistência farmacêutica das três unidades hospitalares.

Os graves problemas foram discutidos em reunião convocada pelos trabalhadores na tarde desta quinta-feira (04/11) no auditório do HJPII. Participaram da reunião o Conselho Municipal e Estadual de Saúde, Sindicato Único da Saúde de Minas Gerais (Sind Saúde/MG), Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sinfarmg) e representantes de mandatos legislativos. A reunião aconteceu de forma hibrida, além das presenças no auditório, participaram diversas pessoas de forma virtual. Uma das participantes, a vice-presidenta do Sind-Saúde de Goiás, Luzinéia Vieira Dos Santos, relatou compartilhou a experiência de Goiás com a entrada da iniciativa privada na gestão do SUS.   


Contratos temporários terminam em dezembro de 2021
Desde 2009 a Fhemig não realiza concurso e em janeiro de 2022 serão rescindidos todos os contratos que completam três anos. Apesar disso, até hoje não há informações de como ficará a situação de atendimento a partir dessa data. Apenas no Pronto Atendimento, serão 18 médicos a menos, sem contar os tantos outros profissionais da equipe multiprofissional.

Para o secretário geral do Conselho Municipal de Saúde (CMSBH), Bruno Pedralva, o desmonte do Hospital João Paulo II, antigo CGP, é gravíssimo e afirma que o Conselho irá se mobilizar para informar a população. “Um grupo de trabalhadores procurou o Conselho para informar sobre o avanço da privatização do HJPII. A população mineira não está sabendo desse projeto”. Bruno lembrou a luta contra o fechamento do PA e colocou o apoio do CMSBH para a luta em defesa do hospital.


Um estudo apresentado pelos trabalhadores mostram o processo de sucateamento do hospital. Desde de setembro de 2021 uma sequência de cancelamentos de consultas foi identificada no ambulatório de consultas. Com a falta de pessoal, 100 consultas foram canceladas em julho deste ano com o fechamento do Ambulatório de Paralisia Cerebral. Em setembro de 2021, 229 consultas ambulatoriais com neurologista foram canceladas e a previsão é que sejam mais 256 nos meses de novembro e dezembro. Ainda nesse processo de desmonte do atendimento, o fechamento dos ambulatórios de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) impactaram nos serviços da unidade.

Essa questão dos contrários temporários, inclusive, afeta toda a rede Fhemig. A preocupação é grande já que não existe tempo hábil para quem participou dos processos seletivos estarem adaptados ao setor de trabalho. Em dezembro, milhares de contratos perdem a validade e a Fhemig não fez a reativação do vínculo nem apresenta um processo de transição caso esses trabalhadores forem dispensados. Na assistência à saúde, o trabalhador não inicia a rotina de trabalho de um dia para o outro, é preciso um treinamento.  

Assistência farmacêutica na mira da privatização
Apesar de não apresentar nenhum documento formal, a terceirização da assistência farmacêutica do chamado Complexo Hospitalar de Urgência (CHU) já tem data para o termo de referência. Em uma reunião no final de outubro de 2021, a gestão apresentou a equipe de farmacêuticos das três unidades a demanda de confeccionar um termo de referência para terceirizar o serviço. Sem nenhum documento, estudo de viabilidade ou discussão preliminar, o prazo estipulado para apresentação do termo foi indicado para 15 de dezembro desse ano.

Diretor do Sindicato dos Farmacêutico de Minas Gerais (Sinfarmig), Rilke Novato, vê com muita preocupação o avanço da iniciativa privada para o setor de medicação da unidade hospitalar. “Por que começar pela assistência farmacêutica? Ela é a segunda maior receita de qualquer hospital. É por isso que começa pela farmácia. Estamos falando de patrimônio público. A rede Fhemig é maior estrutura hospitalar do SUS no país. Não pode ser entregue a empresários, muitos deles nem da área da saúde são. Assistência farmacêutica é estratégica em todo o Estado. Não pode ser vista como loja do Zema”, enfatizou Rilke em referência ao complexo de lojas do governador de Minas Gerais.

Rilke chamou atenção para exemplos graves de desvios de dinheiro com a entrada de terceirização semelhantes em outros estados. O afastamento do governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel em 2021 se deu exatamente por acusação de envolvimento em esquema de corrupção vinculados a contratos com gestão da saúde.  

A diretora do Sind-Saúde/MG, Luciana Silva, também apontou as críticas ao governo Zema que sistematicamente busca entregar unidades da Fhemig à inciativa privada.  Somente na gestão Zema, a Fhemig já fechou dois hospitais (Hospital Galba Veloso e a urgência do Hospital Alberto Cavalcanti) e, como uma espécie de rodízio, várias unidades sofreram ataques para diminuição de leitos ou entrega para o setor privado. Hospital Regional Antonio Dias (Hrad) em Patos de Minas, Hospital Maria Amelia Lins (HMAL) e o próprio João Paulo II (HJPII) são exemplos desses ataques.

Luciana lamentou o recente veto do governador Romeu Zema na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que proibia o governo estadual repassar a gestão de escolas e hospitais a organização sociais. O veto não foi derrubado pela ALMG.

A diretora do Sind-Saúde Dehonara Almeida e Sueli Araújo convocaram os trabalhadores para unidade e mobilizar juntos para enfrentar os ataques. O também diretor do Sind-Saúde e representante do Conselho Estadual da Saúde (CES), Renato Barros, apontou como será pautado o assunto no Conselho e convidou uma comissão de trabalhadores para participar das reuniões.

A servidora Renata Gomes, uma das organizadoras da reunião, aproveitou a oportunidade para resgatar outros momentos que hospitais da Fhemig estavam ameaçados de fechar, incluindo o antigo CGP, e a mobilização de trabalhadores e usuários impediu o desmonte do SUS. Outras servidoras e servidores da unidade também expuseram a situação vivida no HJPII. A assistente administrativa Maria Elisa Marangon, listou as prioridades de reivindicações para as manifestações dos servidores e apontou a importância de cobrar a entrega do prédio anexo do hospital. A obra está paralisada e se arrasta desde 2012.

Exemplo de Goiás

A vice-presidenta do Sind-Saúde de Goiás, Luzinéia Vieira Dos Santos, foi convidada a participar da reunião e fez um histórico detalhado sobre os 20 anos de implementação das chamadas Organizações Sociais (OSs) no estado. “São dados passos antes, uma espécie de formula perfeita para apresentar o projeto de OS para a sociedade. Começa com o desabastecimento, param de fazer concurso, sucateiam. Então, entre o caos e qualquer coisa fica mais fácil apresentar as OS. O que parece um benefício ao usuário em um primeiro momento, torna-se rapidamente em restrição do acesso”, alerta Luzinéia que também reafirma a importância da atuação do controle social. “A ação passiva do Conselho de Saúde de Goiás não ajudou no enfrentamento na época. Hoje em Anápolis, por exemplo, conseguimos barrar a terceirização das unidades básicas porque o co-gestor que é controle social não foi consultado”.

Luzinéia também fez questão de pontuar os inúmeros esquemas de corrupção vinculados às OS. “O Ministério Público tem 11 ações cíveis públicas contra falsas corporativas de trabalho que atuam como atravessadoras de mão de obra e não pagam nenhum direito social ao trabalhador. Além disso, tem investigação de desvio milionário de recursos para compras de imóveis em praias da Bahia e diversos casos de imbricamento de políticos para financiar campanhas eleitorais”. 

Tanto a relação trabalhista quanto a assistência ao usuário foram bruscamente prejudicadas, segundo Luzinéia. Para ela, a importância da mobilização é fundamental no inicio dos ataques. “É preciso ser bastante contundente enquanto é possível porque depois é um rolo compressor”.

Assessores dos mandatos de deputado federal Padre João e do deputado estadual Jean Freire estiveram presentes e usaram a palavra para demostrar apoio aos trabalhadores para encaminhamentos legislativos como audiências públicas e intermediação junto ao governo estadual.