Dia Internacional da Mulher: Desafios e perspectivas das mulheres frente à pandemia do Coronavírus
O cuidado ao longo dos séculos tem sido o trabalho mais necessário no processo de reprodução da vida. Se olharmos ao nosso redor podemos perceber bem essa necessidade que todas as pessoas têm de serem cuidadas e grande parte desse trabalho são realizados pelas mulheres.
O capitalismo invisibilizou essa importância para poder garantir que ele fosse feito pelas mulheres de forma gratuita ou com baixa remuneração. É apresentado como dom natural, como amor materno, como trabalho com menos valor. Mas se olharmos ao nosso redor é esse trabalho de cuidado que sustenta a vida.
O mercado de trabalho reproduz essa lógica de desvalorização com as profissões majoritariamente femininas tendo remunerações bem inferiores às profissões majoritariamente masculinas. Basta olhar as diferenças salariais existentes entre diversas categorias do setor público, enquanto um policial militar com ensino médio tem salário inicial de 4631,23 reais, o salário inicial de uma trabalhadora da saúde com a mesma escolaridade não passa de R$1.000,00.
A pandemia mostrou como é fundamental todo trabalho de cuidado realizado pelos profissionais de saúde, mas essa importância não se refletiu na melhoria da remuneração e garantia de direitos. Pelo contrário, o governo Bolsonaro e o governo Zema aproveitaram da pandemia para retirar direitos e congelar nossos já defasados salários.
Nós mulheres somos 90,39% entre as enfermeiras, 95,31% entre as nutricionistas, 35,94% entre os médicos, 77,88% das técnicas em fisioterapia, 86,93% das auxiliares e técnicas de enfermagem, vale lembrar ainda das Agentes de Saúde e Endemias, além das trabalhadoras da limpeza, administrativos, motoristas e outros que são consideradas profissionais de saúde. Isso demonstra que são elas que estão na linha de frente no enfrentamento ao COVID, como profissionais de saúde, cuidadoras, inovadoras, organizadoras comunitárias. São apresentadas como anjos, como pessoas dispostas ao sacrifício por isso o reconhecimento social da importância desse trabalho não tem significado melhorias salariais.
Durante a pandemia houve uma intensificação do trabalho das mulheres e um aumento do trabalho doméstico. Precisamos lidar com o justo fechamento das escolas, fazendo novos arranjos para que pudéssemos trabalhar e garantir o cuidado das crianças.
Nas comunidades e periferias desse país imenso, são elas que estão nas lideranças das ações de mitigação e de enfrentamento ao avanço da COVID-19, estão se mobilizando e mobilizando suas comunidades para essa guerra, correndo riscos e se colocando ainda mais vulneráveis. E paralelamente a isso tudo, a violência doméstica se intensificou e segue aumentando no contexto desse confinamento e nessas condições atuais do enfrentamento e é preciso agir agora contra esse fenômeno.
As mulheres são, simplesmente, essenciais na luta contra a pandemia. E é absolutamente fundamental garantir que exista uma dimensão de gênero em todas as respostas a serem dadas nessa pandemia. É necessário e urgente que se desloquem recursos suficientes para responder às necessidades das mulheres nesse contexto, especialmente para as principais trabalhadoras da saúde; é igualmente necessário estar ainda mais atentas e alertas à escalada das violências a que elas podem estar sujeitas nesse contexto e é preciso preveni-las.
Nesse cenário, onde o país enfrenta um de seus piores momento da história, onde cerca de 40 milhões de pessoas estão à beira do abismo, quase 260 mil pessoas morreram de Covid, o desemprego ultrapassa os 14 milhões, a informalidade outros cerca de 30 milhões e mais de 5 milhões de alentados, as mulheres trazem à tona as exigências como vacina, auxílio emergencial e respeito à suas vidas para o eixo central deste 8 de março completamente atípico.
Quando se fala que mulheres são linha de frente do enfrentamento ao vírus, não é apenas na força de trabalho na saúde, mas em todo o âmbito social, por isso exigir a manutenção do auxílio emergencial é também pauta prioritária no que se refere às políticas de atenção às mulheres.
O auxílio emergencial foi uma conquista, resultado de muita pressão popular, porém deixou de fora trabalhadoras de diversos setores. Ainda assim, o auxílio foi fundamental para a sobrevivência de cerca de 55 milhões de pessoas no país. Em um país de 14 milhões de desempregadas e desempregados, sendo 65% mulheres, com a inflação dos alimentos e frente ao aprofundamento da miséria com o Brasil de volta ao Mapa da Fome (ONU), é urgentemente necessária a manutenção do valor de R$600,00 e ampliação da cobertura do auxílio emergencial até o final da pandemia.
Simone de Beauvoir afirmou que crises políticas, econômicas e religiosas reacendem o questionamento aos direitos das mulheres, e por isso, a vigilância será perene. E é nesta situação que ainda nos encontramos, no front. E o front precisa de todas e todos, para que possamos avançar.
Para as trabalhadoras da saúde, a luta é permanente. Elas seguem lutando por valorização salarial, condições dignas de trabalho, e exigem vacina urgente e imediata para toda a população de forma gratuita e universal, com a quebra das patentes e a garantia dos investimentos no SUS e na política de ciência, pesquisa e tecnologia.
Ou seja: é urgente que as mulheres tenham poder, que elas estejam diretamente envolvidas e participando ativamente em todas as fases de resposta e em todas as tomadas de decisão relativas a essa pandemia, sejam estas locais, estaduais, regionais, nacionais e internacionais.
Somos, cada uma de nós, capazes de cuidar e somos capazes também de agir criticamente para transformar, construir uma sociedade que pense o cuidado, a reprodução da vida como centro da economia e não o lucro. A mudança que se espera vislumbrar no mundo e na civilização pós-COVID-19 envolve, todavia, o reconhecimento e o protagonismo político-social de todas nós, mulheres. E o momento desse movimento é agora.