Comissão de Administração Pública aprova parecer do RRF, mas projeto é marcado por fragilidade na ALMG

Oposição ao pacote de maldade avança em meio a tramitação e mobilização deve continuar forte

Em votação apertada, a Comissão de Administração Pública (CAP) da Assembleia Legislativa (ALMG) aprovou, na noite da última terça feira (14/11), parecer favorável ao Projeto de Lei 1202/2019, que autoriza a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Apesar da aprovação na Comissão com maioria governista, o extenso dia de debate expôs inconsistências e falta de transparência do PL. Críticas ao projeto ganham força no legislativo mineiro e apontam que a luta vai continuar forte nas próximas semanas. Antes da reunião noturna, a CAP realizou audiência pública acalorada que durou quase seis horas de intenso debate e participação. Além do desgaste da proposta de Zema, uma nova alternativa para renegociação da dívida com a União sem falir os serviços públicos mineiros tem sido articulada em Brasília.

Dados obscuros e, sobretudo, contestáveis do projeto foram apresentados em audiência pública realizada pela Comissão de Administração Pública (CAP) na tarde de terça (11). Mais uma vez a ALMG foi tomada por servidores públicos que aumentam a mobilização contra o RRF. Parlamentares de oposição fizeram uma série de questionamentos sobre inconsistências em relação a diversos pontos sobre benefícios fiscais, privatização, concursos públicos, carreiras dos servidores, previdência.

As perguntas foram direcionadas aos representantes do governo presentes na reunião, o subsecretário da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais (SEPLAG), Felipe Magno Parreiras de Sousa, representando Luísa Barreto, e o secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa.

Idealizador do plano de RRF mineiro, Gustavo Barbosa também foi responsável pelo modelo adotado no Rio de Janeiro que hoje pede nova renegociação com “risco de quebradeira”. Parlamentares criticaram o fato de Minas Gerais “importar” quem estava no comando de um projeto que faliu os serviços públicos do Rio de Janeiro. Em fala aberta para participação dos presentes, o presidente do Serjusmig Eduardo Mendonça Couto fez uma analogia ao fato: “Digamos que um engenheiro construa no Rio de Janeiro com área da praia e o prédio cai e mata dezenas, centenas de pessoas. Aí o Zema traz esse engenheiro que construiu esse prédio com areia da praia para construir esse prédio com areia da praia. Esse prédio vai cair.”

Plano é questionado por quem dará possível aval ao regime
Os parlamentares de oposição afirmaram que o Plano apresentado pelo governo Zema recebeu parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que aponta ao menos 7 pontos de descumprimento para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. “O governo vai colocar os deputados da base em uma situação difícil, e não vai dar em nada. O plano já tomou bomba”, afirmou o deputado Professor Cleiton (PV), referindo-se ao parecer da PGFN.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) detalhou inadequações citadas no parecer, como os incentivos fiscais, que devem ter redução mínima de 20%. “Vocês estão induzindo deputados ao erro”, afirmou.

Com a confirmação dos representantes do governo que a gestão estadual ainda precisa responder o parecer do PGFN, os parlamentares reafirmaram que a tramitação não deveria continuar sem a certeza do que está sendo votado.

Além disso, os deputados enfatizaram que um novo caminho está sendo discutido em Brasília e que o ideal era aguardar o resultado dessa nova renegociação.

Negociação em Brasília
Enquanto o governador Zema se recusa a discutir uma nova renegociação com o presidente Lula, outros atores políticos têm assumido o protagonismo da mediação. O presidente da Assembleia Legislativa, Tadeu Leite, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco e outras lideranças mineiras buscam outros caminhos para o pagamento da dívida sem que isso represente a falência dos serviços públicos em Minas.

RRF aumenta dívida futura do Estado
Ao tentar responder os questionamentos, os representantes do governo não conseguiram sustentar os argumentos apresentados. Dentre as contradições, Gustavo Barbosa admite que o regime não reduz a dívida. Hoje a dívida pública de Minas Gerais
Outra incompatibilidade exposta pelos deputados é que o valor da dívida é o mesmo valor de isenções fiscais promovido por Zema.

13 anos sem reajuste e risco na carreira
O deputado Sargento Rodrigues (PL) também questionou o secretário sobre vários aspectos do Plano de Recuperação Fiscal, que detalha as questões relacionadas à adesão do Estado ao RRF. “A recomposição dos vencimentos em 3% em 2024 e 2028 é apenas uma ‘previsão’”, exemplificou. Sargento Rodrigues listou uma série de perguntas sem respostas do plano e afirmou que quem defende é porque não leu o documento. “O plano é cheio de armadilhas. Quanto mais eu leio, mais prejuízo eu vejo.”

Sargento Rodrigues alertou que a perda inflacionária dos servidores em nove anos deve chegar a 60% e nenhum governador futuro irá querer fazer essa reposição.

“Dívida impagável”
Além dos deputados titulares da Comissão, estiveram presentes parlamentares que criticaram a tramitação do PL e a adesão ao RRF. A deputada Macaé (PT) fez uma comparação com orçamento doméstico e apontou que a proposta é perversa. “Muitas mulheres que sabem bem administrar o orçamento nas suas casas. Não é, gente? No geral, a gente administra quase tudo. Mas, enfim, a gente nunca vai renegociar uma dívida para gente pagar durante 11 anos e, no final, a gente deve mais do que a gente entrou devendo?”

O deputado federal Rogério Correia esteve presente na audiência fez um histórico da origem da dívida, reafirmou que soma-se a isso uma má negociação feita por Zema sobre a Lei Kandir e que tudo isso deve ser levado em conta para negociar em Brasília.


Também fizeram uso da palavra os deputados Betão, Leleco Pimentel e Doutor Jean Freire que enfatizaram o constrangimento da base de apoio do governador Romeu Zema em aprovar o RRF e celebraram a grande manifestação dos servidores públicos – que mais uma vez lotaram a audiência e gritaram palavras de ordem a todo momento.

Tramitação é marcada por reviravoltas

Depois de nove reuniões marcadas para tentar aprovar o PL na Comissão de Administração Pública, a votação não é vista como um sinal de vitória ao governo. A estratégia de obstrução foi importante para chamar atenção dos parlamentares e da população para a gravidade dos impactos que representam o RRF em todo o Estado. Na noite véspera de feriado, os deputados Zé Laviola (NOVO), João Magalhães (MDB), Roberto Andrade (PATRIOTA) e a deputada Nayara Rocha (PP) votaram a favor do PL do RRF, contra os direitos do funcionalismo e contra o serviço público na sessão da CAP.

Já foram apresentadas mais de 200 propostas de emendas parlamentares ao projeto e realizadas cinco audiências públicas sobre o tema. Nos corredores, muitos parlamentares demonstram preocupação em votar favorável.

Agora o PL1202/2019 segue para a Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO) com sessão que deve ser convocada na próxima semana.

Participação dos servidores
A audiência teve expressiva participação e o protesto dos servidores se torna recado forte aos deputados que ainda não decidiram seus votos. Representantes de todas as categorias do funcionalismo começaram a chegar na Casa legislativa às 12 horas e mantiveram presentes até às 22 horas para acompanhar a reunião da Comissão de Administração Pública. A transferência da reunião para o Plenarinho IV, que de início ocorreria no auditório José Alencar, demonstra a estratégia do governo de evitar a pressão nos deputados que ainda não decidiram seus votos.

Durante toda a audiência os servidores se mostraram ativos e entoaram palavras de ordem contra o RRF. Em diversos momentos a audiência foi interrompida pelos protestos dos servidores que gritavam “Fora Zema”, “Se votar, não volta”, dentre outras.


Ao abrir a fala para os convidados, 14 representantes de entidades sindicais apontaram para os impactos da RRF nos serviços públicos e para os servidores. A diretora do Sind-Saúde Nubia Dias destacou o momento histórico da junção de todos os servidores estaduais contra o RRF. “Somamos mais de 26 sindicatos que soma 100% dos serviços ofertados a sociedade de Minas Gerais. Estamos empenhados em esclarecer a sociedade porque nós servimos a sociedade e eles vão conhecer quem foi o deputado e a deputada que capazes de destruir e colocar em risco a saúde pública, a educação, a segurança e a Justiça de Minas Gerais”, sinalizou Nubia aos deputados.