Sind-Saúde presta homenagem à Paulo Carvalho, um grande lutador da saúde pública
É com muita tristeza que o Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde comunica o falecimento de Paulo Venâncio Carvalho. Paulo fez história na luta pela saúde pública para todos os brasileiros. Trabalhador do Sistema Único de Saúde (SUS), foi diretor do Sind-Saúde durante vários mandatos, Conselheiro de Saúde nas instâncias municipal e estadual. No Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMS-BH) ele foi secretário-geral. Paulo Carvalho era natural de Pouso Alegre, viveu durante muito tempo na capital mineira e nos últimos anos procurou a vida interiorana e residia na pacata cidade de Sarzedo. Paulo faleceu no sábado e deixará uma grande saudade nos amigos e familiares.
Paulo era Auxiliar de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG), lotado em Pouso Alegre, nos anos 80 veio para a capital mineira e mais recente seu local de trabalho era a Funed.
Paulo era sempre bem-humorado, acreditava no diálogo como forma de fazer política e tinha como defesa as causas sociais. Violeiro, expressava seu amor pela música em belíssimas canções ao estilo moda de viola. O legado de Paulo, seja na defesa dos trabalhadores, na construção de direitos para o povo brasileiro, seja na poesia cantada, estará sempre presente.
O Sind-Saúde manifesta seu pesar com a despedida do grande Paulo Carvalho! Como uma homenagem ao companheiro de tantas lutas, o Sindicato recupera uma entrevista concedida por Paulo em que defendia do financiamento público da saúde e por uma gestão participava. Que suas ideias virem sementes e se eternizem!
Paulo Carvalho, presente!
Qual é sua análise sobre o modelo assistencial de saúde implantado nos municípios, no estado de Minas Gerais e no Brasil?
Paulo Carvalho:
As ações de saúde estão quase todas municipalizadas. A estratégia Saúde da Família é importante, mas não substitui toda a atenção básica. A oftalmologia, por exemplo, é vista somente como atenção secundária. Porém, existem hoje exercícios ópticos adotados em alguns países que evitam que a criança, treinando o nervo óptico, utilize óculos. Ações de promoção e prevenção deverão constar na atenção básica. Isso é inversão de modelo (prevenir para e não só curar). Não havendo atenção básica amplamente estruturada nos municípios, o restante da assistência fica estrangulada, inviabilizando qualquer regionalização. Consultas especializadas e internações hospitalares poderiam ser resolvidas, em grande parte, na atenção básica.
O governo estadual pouco assume seu papel de gestor e regulador do sistema junto aos municípios. Trata as políticas de saúde de forma pontual, pois o SUS não é planejado como uma rede. A regionalização através do Pro-Hosp é tendenciosa, pois destina recursos públicos para a iniciativa privada e tenta mascarar a falta do PDI (Plano Diretor de Investimentos), que viabilizaria uma regionalização séria em Minas. Aliado a isso, está a não aplicação dos 12% do orçamento estadual em políticas de saúde, como determina a Emenda Constitucional 29. O fato do governo de Minas investir menos do que deve em saúde e sem um Plano Estadual de Saúde, deixa sem transparência as metas que o Estado tem para o SUS piorando a avaliação dos resultados. Tudo isso possibilita a existência não de um SUS único no estado, mas vários “SUSinhos”. O que está salvando a saúde em Minas, hoje, são os investimentos federais e municipais, caso contrário estaria um caos, pois sem planejamento não há pacto e política que funcione.
No nível nacional, já existem discussões mais positivas no sentido de rever o financiamento da saúde e a autonomia vigiada através do Pacto de Gestão. 30% do que é arrecadado na seguridade social deveria ser repassado para o SUS. Porém, há um fortalecimento visível da saúde em nível federal, com a distribuição de recursos a partir de uma lógica epidemiológica e demográfica. Várias portarias publicadas pelo governo federal foram, recentemente, revistas pelo Conselho Nacional de Saúde, o que dá maior transparência à distribuição de recursos do SUS e fortalece o controle social.
A política atual de gestão do trabalho no SUS é suficiente para viabilizar a aplicação do modelo assistencial?
Paulo Carvalho: O trabalho deve ser feito em rede, de forma multiprofissional. O “eu” como sujeito da ação para a humanização do trabalho e construção diária do SUS, prevalecendo sobre a visão do trabalhador como mero receptor de ordens. Isso requer uma política de Gestão Participativa e uma política séria de Educação Permanente, que leve em conta o saber local, desde o nível central até o local de trabalho, valorizando o saber de cada um como o maior patrimônio do SUS – a autonomia do trabalhador para desenvolver técnicas que não estão em nenhum livro. Atualmente, porém, há fragmentação no processo de trabalho, o que significa que não há relação entre os setores administrativos e de atendimento. Além disso, a terceirização de serviços e de mão-de-obra faz com que o SUS entre na lógica de mercado, prejudicando o atendimento correto à população.
A falta de pisos salariais nacionais e o excesso de gratificações são fatores que mais precarizam a gestão da força na Saúde. Temos que retomar urgente a luta pela jornada máxima de 30 (trinta) horas para todos os trabalhadores do SUS.
Como a ação sindical se relaciona com o modelo assistencial do SUS?
Paulo Carvalho: O SUS é política pública e não deve ser equiparado aos níveis de mercado. Algumas categorias estão conseguindo melhorias salariais em relação a outras, o que fragmenta ainda mais o processo de trabalho, pois disputam sob a lógica do mercado e, com isso, distanciam do trabalho em equipe. Isso faz com que o SUS concorra com o próprio SUS. Infelizmente, boa parte dos sindicatos estão se esquecendo de discutir a realidade da saúde e do SUS devido ao grande volume de demandas trabalhistas. Não é o caso do SIND-SAÚDE/MG, um dos poucos sindicatos reconhecido no país como referência na discussão do modelo assistencial, com ampla participação em conferências e conselhos de saúde.
Quais os desafios encontrados pelos conselhos para realizarem o controle social das políticas de saúde?
Paulo Carvalho: O SUS nasce do controle social. O que nos perguntamos é: será que a ação dos conselhos está melhorando o acesso e a qualidade dos serviços? Está dando conta de fiscalizar e impedir as privatizações? Será que as demandas reais serão contempladas nas suas discussões? Essa preocupação se deve ao fato de que com o Pacto de Gestão, os estados e municípios têm mais liberdade de aplicação de recursos. Mas será que o controle social está preparado para isso? O acompanhamento da gestão de saúde em Minas está bastante fragmentado, pois vários escritórios da Secretaria Estadual de Saúde (SES) não foram sequer efetivados. Ou seja, como vamos acompanhar e fiscalizar essa regionalização? A auditoria estadual e o controle de avaliação não têm infra-estrutura para realizar seu trabalho. Se você não torna o SUS mais transparente, o SUS continua ligado aos interesses dos governantes e do mercado e, assim, não teremos uma sociedade em que as pessoas entendam o que é o SUS e lutam por ele.
O Ministério Público também exerce o controle social das políticas de saúde?
Paulo Carvalho: O Ministério Público é instrumento do controle social. Não dá para o MP confundir o Estado com quem está no poder. Isso significa fiscalizar o governo para que se cumpra o princípio constitucional: “saúde é direito de todos e dever do Estado”.
Como os trabalhadores(as) da saúde podem contribuir para a melhoria da assistência no SUS?
Paulo Carvalho: O trabalhador da saúde tem que ver seu trabalho reconhecido pela sociedade para acreditar mais no SUS. O SIND-SAÚDE/MG quer mostrar ao servidor da saúde o quanto seu trabalho é importante para garantir a saúde e a vida de milhares de pessoas em todo o estado e que a maior valorização profissional vem do reconhecimento social do nosso trabalho. Por isso devemos tomar, junto com os usuários, as rédeas do SUS.
Quais os desafios do SUS no Brasil dos dias atuais?
Paulo Carvalho: 100% das pessoas usam o SUS, seja no atendimento ou na vigilância sanitária. No entanto, o mercado dos planos de saúde tem envolvimento e influência clara sobre o Congresso Nacional, os legislativos e executivos dos estados. Se o SUS funcionar, acabam-se os planos. Os erros são repetitivos. A administração do SUS deve ser pública. Deve-se mudar a lógica de alocação de recursos, pois ela ainda está muito voltada para a lógica de mercado, concentrada. Na verdade, a vigilância e a atenção básica não dão lucro nem visibilidade e, por isso, não interessam aos governantes. Pactuar em cima de metas é importante, mas o melhor do Pacto pela Saúde é o pacto pelo SUS, ou seja, a mobilização social em defesa do Sistema Único de Saúde, público, integral, de amplo acesso e que valorize os trabalhadores. O Estado deve regular o mercado e não mercado regular as políticas de saúde.