Mulheres e diversidade

1ª Conferência Estadual de Saúde das Mulheres reconhece a diversidade entre elas 

Mesa 2 com Dehonara

Nesta terça (11), Minas Gerais realiza o segundo dia da 1ª Conferência Estadual de Saúde das Mulheres que reúne 800 pessoas – quase maioria mulheres. A organização do evento esperava maior participação dos municípios no envio de propostas, dos 853, menos de 200 enviaram. Mesmo assim, o número de presentes ultrapassa a estimativa de 700 da organização e a participação dos municípios é vista como positiva, na avaliação da sub-secretária de Políticas para as Mulheres do Estado de Minas Gerais, Larissa Borges. “Por não ser obrigatória, essa participação dos municípios pode ser considerada muito boa”, disse.  

Para a coordenadora da primeira mesa de debates, que discutiu os “Desafios para intersetorialidade com equidade”, Dehonara  de Almeida Silveira, diretora do Sind-Saúde de Mulheres Gênero e Raça, a Conferência está cumprindo um papel de retratar a diversidade que existe entre as mulheres. “Essa Conferência mostra a mudança de lógica para além da maternidade porque antes os serviços de saúde só se preocupavam com as mulheres enquanto reprodutoras”. Ela acrescenta que as mulheres estão sendo mostradas em suas diversas vulnerabilidades.

É o que faz a enfermeira Conceição Gonçalves ao relatar as agruras das mulheres da roça com quem ela trabalhou por cerca de 10 anos, na primeira formação do Programa da Saúde da Família. Ela explica que a saúde dessas mulheres é precária por falta de acesso a tratamento e pela opressão machista que é ainda mais forte no campo.

Conceição Gonçalves

A enfermeira Conceição Gonçalves 

“Essas mulheres não se amam. Para elas o casamento ainda é obrigatório e se colocam a serviço dos homens ”, aponta, acrescentando que as doenças venéreas e a subnotificação de outras doenças são um drama de muitas que vivem longe dos grandes centros urbanos. Segundo ela, o exame ginecológico que costuma ser o único exame a que essas mulheres têm acesso, é subutilizado por exemplo, porque o material colhido com o espéculo, que pode revelar diversas doenças indo além de indicar a existência ou o risco de um câncer, é desconsiderado por profissionais que não possuem treinamento. Para a enfermeira não há dúvida, a desassistência às mulheres se explica pela submissão da saúde aos critérios políticos dos gestores.

Para Heliana Hemérito, do Conselho Nacional de Saúde, o uso de medicamentos calmantes é um indicativo de que a saúde das mulheres anda mal. “Elas estão tomando calmantes como água”, dispara, informando que o Brasil é o segundo país no mundo em consumo da sertralina, usado no tratamento da depressão. Conforme Heliana, o antidepressivo mascara doenças e as más condições de vida das brasileiras. A técnica de enfermagem Vera Oliveira Ramos confirma esse drama. Ela entrou na menopausa aos 35 anos e diante dos relatos de desconforto típicos dessa fase, o médico descartou a possibilidade pelo fato de ela ainda ser jovem e levantou a possibilidade de depressão. “Mesmo sendo da área da saúde, fiquei sem saber o que acontecia comigo e somente hoje, com 58 anos, é que os sintomas do climatério aliviaram”, conta, enfatizando que passou por tudo sozinha.

O silêncio que ronda a desassistência e a opressão sofrida pelas mulheres leva ao desabafo forte da psicanalista Neuza Magalhães de Teófilo Otoni ao microfone da conferência. “Só os bois vão para o matadouro porque desconhecem a força que têm. Então pergunto em que matadouro nós mulheres estamos?” Para ela, as mulheres precisam repensar porque vivem num mundo tão machista se são elas que educam os homens e portanto conferem esse poder de subjugar a eles: “elas se enfiam em matadouros localizados como os sexuais, não se conhecem e não se permitem o prazer reforçando o ditado de que lugar de mulher é no tanque”.  

Das mulheres trans vem uma preciosa lição para o empoderamento de todas as mulheres. “A mulher trans traz o descontrução de gênero. Ao passarmos pelas transformações que passamos, questionamos o que é ser mulher e isso repercute no que é ser a mulher universal. O corpo da mulher trans é político”, avalia a psicóloga e ativista Ariane Senna.

Ariane e Larissa

Ariane, à esquerda, ao lado da sub-secretária Estadual de Políticas para as Mulheres, Larissa Borges

A baixa participação na política que dificulta a criação de políticas públicas próprias para o gênero foi mencionada pela secretária de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres da Presidência da República dos dos governos Dilma Rousseff, Tatao Godinho. “Apesar de as mulheres terem acumulado ganhos nos últimos anos, crescendo em participação social, ainda temos o cuidado como nossa atribuição principal. Essa é uma sobrecarga que impede a vida política e maior participação das mulheres nos movimentos sociais”, analisa. Segundo Tatau, a Conferência da Saúde da Mulher é um ato fundamental de protesto e de resistência uma vez que depois do golpe, algumas das principais ações foram feitas para reverter o avanço das políticas sociais.     

Tatao Gov Dilma

A secretária de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres da Presidência da República dos dos governos Dilma Rousseff, Tatau Godinho

A jornalista, pesquisadora e ativista negra, Diva Moreira, concorda que a Conferência é um espaço de inclusão da diversidade feminina. Observa, por exemplo, que na primeira mesa, das quatro debatedoras, três eram negras, mas ela sugere mudanças. “Há um grande esforço de organização e financeiro, mas falta acompanhamento. Não se retoma na conferência 2 o que foi discutido na conferência 1”, diz, apontando que os Conselhos de Saúde devem monitorar se resoluções são acatadas pela gestão: “a metodologia precisa ser mais eficaz para que pelo menos os problemas apontados hoje tenham dimensão menor na próxima”.

Diva Moreira

Diva Moreira, ativista e pesquisadora 

A sub-secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Larissa Borges, defende que a implementação das políticas públicas sugeridas pela Conferência deve levar em conta a diversidade. Mas adianta: não há garantias de criação dessas políticas porque a disputa política (na sociedade) é que determina o que será implementado. E confirmando a observação da ativista Diva Moreira: “Sugiro que a sociedade civil cobre a implementação das resoluções que a Conferência tirar”. Conforme a gestora, há muitos que se opõem às políticas para as mulheres como os fundamentalistas religiosos e o poder financeiro.  

Neste segundo dia de Conferência, estão sendo feitas as discussões por grupos e amanhã, dia de encerramento, as mulheres vão fechar o relatório em plenária final e eleger as propostas prioritárias para a Conferência Nacional de Saúde da Mulher que acontece em agosto.