Parlamentares cobram maior detalhamento do Plano de Recuperação Fiscal

A falta de detalhamento técnico do Plano de Recuperação Fiscal pelos secretários de Estado, durante audiência pública realizada nesta terça-feira (24/10/23), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), provocou reação de parlamentares da oposição e até mesmo de alguns integrantes da base do governo.

O documento em debate nesta terça é exigido pelo Ministério da Fazenda, responsável pela homologação da adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que prevê uma renegociação das condições para o pagamento da dívida do governo estadual com a União, calculada atualmente em cerca de R$156 bilhões.

A audiência pública é realizada por três comissões: de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO), de Constituição e Justiça (CCJ) e de Administração Pública.

Para a adesão ao RRF, o governo depende da autorização da Assembleia por meio do Projeto de Lei (PL) 1.202/19, de autoria do governador Romeu Zema. Caso o projeto não seja aprovado até o fim do ano, o governo teria que retomar o pagamento das parcelas da dívida em um valor bem mais alto do que o proposto no plano. O sistema da Assembleia que permite ao cidadão opinar sobre o projeto de lei registra hoje 59 votos favoráveis ao projeto e mais de 8 mil contrários.

Parlamentares contestam apresentações do governo
Desde o início da reunião desta terça, diversos parlamentares se revezaram ao microfone para contestar as apresentações iniciais dos secretários de Estado de Fazenda, Gustavo Barbosa, de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto, e de Governo, Gustavo Valadares.

“Isso limita o acesso da população às informações e limita o nosso debate”, criticou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), primeira a questionar o conteúdo das apresentações dos secretários. Ela citou, entre outros pontos, a falta de informações sobre o limite de crescimento da folha de pessoal, que já constaria no plano; a falta de uma estimativa de reajustes da remuneração dos servidores da educação até 2032 e um detalhamento do corte de benefícios fiscais, que segundo ela só começaria em 2029.

Diversos parlamentares da oposição classificaram as apresentações dos representantes do Poder Executivo como genéricas e políticas, e que omitiria o detalhamento técnico do plano.

“A gente espera uma fala política apenas de um secretário, o de Governo. Dos outros, esperamos uma fala técnica”, afirmou a deputada Lohanna (PV), que também cobrou informações sobre o cumprimento do piso salarial do magistério e de como seria utilizado o recurso obtido com a desestatização da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig). “Esse dinheiro vai ser usado para quê? Para amortizar (a dívida), para investir, não está claro. E o piso do magistério só é citado para o ano que vem, não há nada garantido para os próximos anos”, complementou a deputada.

“De powerpoint nesse País, nós já tivemos muitos problemas. O que ele está dizendo está onde no plano? Não faz sentido a gente se preparar tanto para uma audiência, para ser enganado”, reclamou o líder do Bloco Democracia e Luta, de oposição ao governo, deputado Ulysses Gomes (PT).

As apresentações do governo também foram duramente criticadas pelas deputadas Leninha (PT) e Bella Gonçalves (Psol), e pelo deputado Professor Cleiton (PV), todos integrantes do bloco de oposição, mas também pelos parlamentares Sargento Rodrigues (PL) e Arnaldo Silva (União), que não pertencem a este bloco.

O secretário de Estado de Governo, Gustavo Valadares, negou que o governo esteja escondendo qualquer informação sobre o Plano de Recuperação Fiscal. “Encaminhamos um arquivo com 47 anexos, que foi estudado pela Consultoria da Assembleia e entregue a cada um dos parlamentares”, salientou o secretário.

Despesa extra pode ser de R$ 14 bilhões
Quanto ao secretário de Estado da Fazenda, Gustavo Barbosa, e a secretária de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto, ambos enfatizaram em suas apresentações iniciais a necessidade de adesão ao RRF até o fim de 2023, em função da ameaça de que o Estado tenha uma despesa extra de R$ 14 bilhões em 2024, se isso não ocorrer.

Essa despesa se refere a quanto Minas Gerais deverá pagar a mais à União em 2024, sem a adesão ao regime. Caso a dívida do Estado seja renegociada nos termos do RRF, esse pagamento seria de R$ 4 bilhões. Sem a renegociação, o valor subiria para R$ 18,7 bilhões.

“É um um montante que corresponde a um ano e meio das despesas de saúde do governo. Estou falando de sete anos de todos os investimentos do Estado com recursos não vinculados, ou de 100 anos de orçamento da Secretaria de Desenvolvimento Social. R$ 14 bilhões é um volume de despesa que inviabiliza a melhoria das políticas públicas”, advertiu a secretária de Planejamento e Gestão.

Secretários dizem que reajustes não estão descartados
Tanto Luísa Barreto quanto o secretário Gustavo Barbosa negaram que o RRF seja um obstáculo para concessão de reajustes salariais aos servidores públicos. De acordo com o plano apresentado, estão previstas apenas duas recomposições remuneratórias obrigatórias nos anos de 2024 e 2028, com o índice de 3%.

“O que determina ou não a revisão geral (de remuneração de pessoal) é o caixa do Estado, não é o Regime de Recuperação Fiscal. Desde que haja capacidade de o Estado fazer a revisão geral, isso será feito. O regime não inviabiliza progressão e promoções (nas carreiras dos servidores), isso permanece para o servidor”, afirmou Gustavo Barbosa.

“O plano sozinho não traz qualquer impeditivo, é um Estado com as finanças desequilibradas que impede que façamos os avanços (em recomposições remuneratórias). Esses parâmetros podem ser alterados se houver uma inflação maior ou se houver uma mudança no cenário financeiro”, ressalvou Luísa Barreto.

“O Estado não tem apego a uma proposta, se houver outra alternativa podemos considerar. O Estado buscou o que está previsto nas leis complementares federais, mas está sempre aberto para ouvir”, falou Gustavo Barbosa, Titular da SEF.

Parlamentares se revezam em questionamentos
Ao longo de várias horas, com a abertura da audiência para perguntas aos secretários, quase todos os pronunciamentos feitos por diversos parlamentares seguiram sendo bastante críticos às medidas previstas no Plano de Recuperação Fiscal.

Nessa linha, foram questionados, por exemplo, a falta de diálogo prévio com os demais Poderes impactados, a necessidade, valores previstos e destinação dos recursos com a privatização da Codemig e a suposta ameaça de mudança de regime jurídico (com perda de adicionais e mudança nas carreiras) e demais sacrifícios a serem impostos sobretudo aos servidores públicos.

Também foram destacados o real empenho do governo estadual em tentar repactuar a dívida de outra forma junto ao atual governo federal, e, por fim, a própria razoabilidade do plano, já que ao final de nove anos de arrocho o montante da dívida não será reduzido, conforme reconheceram os representantes do Executivo.

O presidente da CCJ, deputado Arnaldo Silva, indagou se a proposta do Executivo é o único caminho para garantir o equilíbrio fiscal do Estado e a limitação a apenas duas recomposições da remuneração dos servidores, já que esse é um direito garantido pelo artigo 37 da Constituição Federal. “Não podemos colocar apenas os servidores públicos para pagar essa conta”, sentenciou.

“Eles passaram cinco anos falando que Minas está de volta aos trilhos, mas isso não é verdade. O governo está apenas aumentando a extensão do pavio da bomba. O governador está resolvendo o problema dele, mas essa bomba vai estourar de qualquer jeito daqui a nove anos”, afirmou Ulysses Gomes.

Para Ulysses Gomes, o texto do plano também não deixa claro, como alegaram os secretários, que os recursos obtidos futuramente com a venda da Codemig serão mesmo utilizados no pagamento da dívida. Na mesma linha, Professor Cleiton questionou suposta estimativa do Executivo de arrecadar R$ 25 bilhões com a privatização da Codemig, quando o mercado apontaria valor mínimo de cerca de R$ 60 bilhões.

Esse parlamentar também questionou a ameaça de inviabilização de celebração de novos convênios entre Estado e municípios, vitais para o funcionamento, por exemplo, de delegacias, quartéis da Polícia Militar e unidades da Emater. Também lembrou a suposta ameaça de, além de congelamento de salários, aumento da contribuição previdenciária.

“Quanto a Codemig, eu assumo agora o compromisso de mandar um ofício amanhã para o Ministério da Fazenda de repassá-la pelo valor que a União definir”, rebateu, ironicamente, Gustavo Barbosa, que questionou o interesse do governo federal na empresa mineira.

Ele e Luísa Barreto descartaram veementemente qualquer possibilidade de mudança na alíquota de contribuição previdenciária, nem qualquer outra proposta afetando carreiras e outros benefícios dos servidores.

“E podem sim ser celebrados novos convênios, desde que dentro do teto de gastos. Para isso, projetamos o valor atual mais correção inflacionária e assim que um deles for executado abrirá espaço para outro”, explicou a secretária.

“Como historiador tenho tranquilidade em afirmar que vocês do governo conseguiram fazer a pior proposta de lei na história de Minas Gerais. Conseguiram superar, por exemplo, a derrama da Coroa Portuguesa e com isso vão decretar a destruição do serviço público no nosso Estado”, comparou o deputado professor Cleiton.

De acordo com Sargento Rodrigues, se o plano for aprovado, serão na verdade 11 anos, e não nove, de duração do RRF, sem recomposição salarial para a grande maioria dos servidores estaduais. Segundo ele, um soldado da PM pode ter perda de poder de comprar ao final desse período de mais de 55%.

“O governador ficará mais três anos e vai embora, mas nós vamos ficar mais um mandato e meio. Nós precisamos de mais detalhamento das medidas, o que o governo não faz mesmo com a lei determinando sua publicidade”, criticou Sargento Rodrigues.

“É um novo choque de gestão, aquele que, na verdade, eletrocutou todo mundo”, comparou, de forma irônica, Luisinho (PT), ao citar reestruturação do Executivo em administrações anteriores. Para o parlamentar, também falta humildade ao governador para negociar a dívida de forma transparente e sincera com o governo federal.

Deputado teme volta do parcelamento de salários
Em contraponto à maioria dos parlamentares que se pronunciaram durante a reunião, o deputado Duarte Bechir (PSD) defendeu a necessidade de adesão ao RRF, diante da possibilidade de que o aumento das parcelas da dívida com a União obrigue o Estado a retomar o parcelamento da folha de pagamento. “Se nós não fizermos algo agora, se não acharmos o caminho, vamos repetir (o parcelamento)”, advertiu.

Também fizeram questionamentos aos secretários os parlamentares Lucas Lasmar, Doutor Jean Freire, Leninha, Andréia de Jesus e Leleco Pimentel, todos do PT. Entre outras questões, eles questionaram o fato de o governo contar com receitas ainda não garantidas, como a arrecadação derivada da futura exploração do lítio no Vale do Jequitinhonha.

Questionado pela deputada Lohanna sobre a possibilidade de o governo adiar a adesão ao RRF até que o governo federal formalize melhores condições de renegociação, o secretário Gustavo Valadares afirmou que o prazo não é suficiente para isso, mas, se no futuro essas condições forem aprovadas, poderão ser incorporadas por Minas Gerais.

E Caporezzo (PL) ainda criticou o governador por descumprir promessas de campanha ao aprovar medidas como aumento de ICMS e do próprio salário.

Teto de gastos barraria direitos já garantidos aos servidores
Por fim, Beatriz Cerqueira lembrou que, ao prever a instituição de um teto de gastos, de nada adiantará o servidor ter direito a carreira ou outros benefícios financeiros porque eles estarão vedados da mesma forma.

A parlamentar também destacou tabela do plano com supostos limites do crescimento vegetativo dos gastos com pessoal em áreas como educação (2,48%), saúde (2,87%) e segurança (2,45%), bem aquém dos índices registrados só de 2021 para 2022. Esses indicadores seriam, segundo ela, de 9% na educação, 17% na saúde e 12,5% na segurança.

“E tem ainda o mito da revisão do plano, mas não tem nada garantido para o servidor, e pode piorar. Vocês repetem que o governo não vai demitir, mas vão deixar de contratar. Isso é a privatização do serviço publico de forma consistente sem passar pela Assembleia.”, criticou, citando propostas do plano de concessão de unidades da Rede Fhemig, do sistema socioeducativo e anúncio de inclusões de dezenas de escolas estaduais no Projeto Somar.

Em resposta sobre as supostas incongruências com relação as previsões de crescimento vegetativo, Luísa Barreto garantiu que os percentuais citados não são de limitação, apenas projeções resultantes do cálculo histórico.