Entrevista com Alexandre Padilha, ministro da saúde

Entre a demanda por mais dinheiro e a queixa de que o problema da saúde está na má gestão dos recursos, o atual ministro da saúde, Alexandre Padilha, prefere ficar com os dois — essa é, segundo ele, uma “falsa dicotomia”. A conquista de mais recursos tem a ver com o papel central da saúde na agenda de desenvolvimento do país. Já a melhoria da gestão passa pela prioridade de um sistema centrado na atenção básica mas não engloba a discussão sobre a relação entre público e privado — esse é, na sua avaliação, um debate “ideologizado”. Ex-ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República do governo Lula e ex-diretor nacional de saúde indígena da Funasa entre 2004 e 2005, dentre muitos outros cargos, o médico Alexandre Padilha, vinculado ao Partido dos Trabalhadores, acaba de assumir o ministério da saúde. Nesta entrevista, concedida no dia 4 de fevereiro a Poli e a outras duas revistas editadas na Fiocruz — RET-SUS e Radis —, ele fala ainda sobre as prioridades da formação em saúde, incluindo a situação dos ACS. E, sem fugir das polêmicas, defende a construção da usina de Belo Monte.

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No discurso de posse, a presidente Dilma apontou três prioridades para o país: saúde, educação e segurança pública. O sr. acredita que agora a saúde vai estar no centro do desenvolvimento do país? A saúde pode não só não sofrer cortes como ainda ter um aumento real do orçamento?

Eu tenho certeza absoluta da necessidade de a saúde estar no centro da agenda de desenvolvimento do país. Tenho certeza absoluta do compromisso da presidenta com isso, mas acredito que essa não é uma obra só da presidenta. No conjunto do país, todas as pessoas do setor da saúde são decisivas para isso. Nosso país tem um potencial muito claro: todos os analistas acreditam que nós seremos a quinta economia do mundo em 2016. Não é possível ser a quinta economia do mundo em 2016 sem aproveitar ao máximo o potencial do setor econômico que mais investe em inovação de nível tecnológico, que é a saúde. Hoje, 30% dos recursos de desenvolvimento de inovação e pesquisa no país vêm dos vários segmentos do setor da saúde: seja desenvolvimento de insumos, medicamentos, vacinas, produção de novas tecnologias, inclusive de atenção à saúde, desenvolvimento de equipamentos… Não há nenhum país entre as maiores economias do mundo que não tenha uma política específica para desenvolvimento e inovação no campo da saúde. O segundo grande desafio para o Brasil ser a quinta economia mundial é aproveitar ao máximo o esforço de redução da pobreza e da miséria como a principal estratégia de desenvolvimento econômico do país. O Brasil aprendeu ao longo desses últimos oito anos que investir e se esforçar em reduzir a pobreza e as desigualdades regionais propiciou a construção de um mercado interno muito pujante, com força econômica e capacidade de inclusão, em seis, sete anos, do equivalente a uma Argentina inteira na economia. Quando você quer atrair investidores privados, profissionais liberais, profissionais de nível superior, em diversos estados hoje, várias perguntas que eles fazem são: se há um serviço de saúde adequado; qual o perfil do serviço de saúde, da rede de atenção à saúde daquela região para atrair esses profissionais. Ao mesmo tempo, a expansão da rede de atenção à saúde do país nas regiões economicamente menos desenvolvidas tem impacto direto e indireto na economia local. O impacto direto é o fato de a expansão da rede estar combinada com o crescimento de uma força de trabalho remunerada: são os profissionais de saúde de varias cidades do país o principal motor da economia local. O impacto indireto é que, quando você cria uma rede pública de saúde, faz com que as pessoas gastem menos para conquistar aquele direito fundamental. E tem o fato de a ampliação do serviço de saúde ser algo fundamental para a promoção da cidadania: não se reduz a miséria no país sem promover a cidadania. Há um terceiro outro grande desafio, que é da área internacional, que tem até a ver com a Fiocruz. O Brasil só vai ser a quinta economia do mundo se souber ocupar cada vez mais o papel que lhe cabe, e um eixo fundamental para qualquer ação de cooperação internacional é o tema da saúde. E o Brasil tem um potencial que é inclusive maior do que o dos outros países por ser uma grande potência econômica no mundo em um meio tropical, ter características próprias da inovação tecnológica, da capacidade técnica dos seus profissionais que outros países que são economias importantes do mundo não têm. Agora isso não é uma obra só da presidenta e do governo. Cada profissional de saúde tem que saber que quando define uma conduta, uma prática clínica, quando define a sua linha de atuação em pesquisa, quando define as suas prioridades de formação, de atualização, pode estar se aproximando ou se distanciando do centro da agenda de desenvolvimento do país. Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma não vai fazer cortes em nenhuma política social. Pelo contrário, o desafio que ela assumiu para si e para o conjunto dos ministros é fortalecer e expandir nossas políticas sociais e isso tem a ver com recursos. Para mim, não existe uma dicotomia entre o debate de melhorar a gestão ou ter mais recursos. Eu estou absolutamente convencido de que a única forma de nós conquistarmos os recursos é darmos sinais claros de que temos maior capacidade de gestão sobre eles. Quando falo de gestão, não estou falando só de custo efetividade, não estou falando só de fazer mais com o que nós temos, de reduzir os custos. Estou falando da necessidade de fortalecer um modelo de atenção focado no usuário e que tenha a atenção básica como pilar.

Eu queria que o sr. Falasse sobre um dos temas que mais mobilizam os movimentos sociais hoje:  é o que se tem chamado de ‘privatização da saúde’, que se refere à criação de Organizações Sociais (OS) e a outras estratégias em que a administração não passa para um ente privado mas se adota o direito privado no lugar do direito público.

Eu acho que primeiro nós não podemos fazer um debate ideologizado sobre isso. Quando nós construímos o SUS, esse debate apareceu: se o SUS tinha que ser só estatal ou se tinha que compreender a participação de várias modalidades de entes não-estatais —filantrópico, hospitais universitários, o próprio setor privado credenciado… E o Movimento de Reforma Sanitária, naquele momento, compreendeu que o SUS não tinha que ser só estatal. Então, eu acho que essa é uma primeira questão. Eu defendo o SUS como um projeto público, permanentemente público, que esteja voltado para o usuário, que tenha controle público permanente. Hoje a maior parte dos equipamentos de saúde — leitos, medicamentos em geral — que o SUS utiliza são não-estatais. Isso foi ao longo de todos os anos de construção do SUS, e foi até maior no começo, quando se criou e se instituiu o SUS. A outra questão é que eu acredito que qualquer modelo gerencial tem que respeitar o conjunto de diretrizes do Sistema Único de Saúde. O próprio Conselho Nacional de Saúde fez um debate, que eu acho que foi muito interessante, de listar 12 princípios que qualquer modelo gerencial tem que ter no espaço do SUS. Sou favorável a qualquer modelo gerencial que cumpra essas diretrizes, inclusive em relação aos modelos estatais. Porque tem muito modelo estatal que não é público, que não tem nada de controle social, onde os trabalhadores são menos valorizados do que aqueles que têm vínculo com fundações ou organizações que não são necessariamente estatais. Esse debate não tem que ser ideologizado nesse sentido, do confronto entre o estatal e o não-estatal. Para mim, o debate tem que ser sobre o SUS enquanto projeto público voltado para o usuário, com controle social permanente, onde o processo de valorização dos gestores e dos trabalhadores deve existir para se garantir o melhor acesso ao usuário.

As organizações sociais também cabem como modelo?

Todo, qualquer modelo gerencial. Eu não tenho bloqueio ou preconceito com qualquer modelo gerencial. Se tivesse, eu não seria um defensor do SUS. O SUS, desde o início, convive com a organização governamental, com OS, com hospital filantrópico, com hospital particular credenciado. Para mim, não é esse o debate. Eu falei de não ser um debate ideologizado não é porque quero reduzir o papel das ideologias, muito pelo contrário. Mas acho que há um bloqueio no debate, que se estigmatizaram alguns modelos gerenciais e se deixou de lado o que é o centro do debate. Eu conheço e vou trabalhar para mudar isso, mas há modelos absolutamente estatais que não têm nada de público; hospital absolutamente estatal que não está na Central de Regulação, em que os leitos não são regulados. Eu não assumo o discurso da ineficiência do setor público não. Mas o índice de produtividade demonstra claramente que aquele hospital estatal não é usuário-centrado; o motivo principal da sua existência não é ampliar o acesso ao usuário. Então eu não vou entrar nesse debate do estigma do modelo gerencial, se é OS, se é fundação, se é regime jurídico público ou não porque acho que esse estigma fez com que ficássemos anos e anos nos distanciando do debate que eu acho que é o central: o SUS ser um projeto público voltado para o usuário e para a ampliação permanente do acesso com qualidade para a população.

Quais são as prioridades da gestão da educação em saúde e, dentro disso, qual é o peso da formação técnica de nível médio para a saúde?

A grande prioridade para todo o debate sobre educação e gestão do trabalho é que medidas nós temos que tomar nesse momento para ampliarmos o acesso com qualidade em tempo adequado para a necessidade de saúde das pessoas do país inteiro. Eu acho que o centro do debate que nós tínhamos que fazer é que o Brasil tem que construir um planejamento estratégico para daqui a dez, 15, 20 anos, incluindo a informação sobre que profissionais se quer ter, onde se quer que eles estejam trabalhando e qual a política de formação que vai garantir isso. Onde esses profissionais vão trabalhar e o seu perfil tem tudo a ver com a formação, não só da graduação, mas, sobretudo, de todas as modalidades de pós-graduação. E, junto com a capacidade de expansão do acesso à modalidade do ensino técnico, é fundamental qualificar um conjunto de trabalhadores que já estão no SUS. Em uma realidade tão diversa como é o Brasil, com as diferenças de acesso geográfico, para você necessariamente expandir o serviço de saúde, tem que aproveitar cada vez mais a população que vive nessas realidades. Então, a oportunidade maior que pode existir de formação, valorização dos trabalhadores e inclusão dessa população que vive nessas realidades é através do ensino técnico, tanto na sua modalidade de ensino médio quanto de ensino superior. Já acertamos com o MEC que vamos fazer um grande mapa nacional para comparar as ofertas de serviços de saúde que temos com as necessidades de saúde em cada uma das cerca de 500 regiões sanitárias do país. Isso é importante até para termos um indicador permanente de avaliação de acesso em cada uma dessas regiões. E, dentro desse mapa, nós incluímos, conversando com o MEC, a necessidade de profissionais para cada uma dessas regiões, para que se tenha um planejamento estratégico sobre quais profissionais o país quer formar e para onde. E que isso seja guiado pelas necessidades de saúde articuladas pelo SUS, pelo Ministério da Saúde no nível federal e não por uma determinação exclusiva dos espaços de formação. A demanda tem que vir do setor da saúde.

O sr. tem falado muito em saúde e agenda de desenvolvimento. Mas há muitos problemas de saúde decorrentes do desenvolvimento.

Eu acho que o tema de como o crescimento econômico e o desenvolvimento do país promovem a saúde interna, trazendo novos investimentos para a saúde, é um desafio. Um exemplo: eu, na coordenação do conselho de desenvolvimento econômico e social, participei de toda a construção do que seria a posição brasileira no Cop-15 em Copenhagen; todo o posicionamento não só do governo brasileiro, mas também dos atores e grupos sociais que fazem parte do conselho de desenvolvimento social. Nós fizemos com que a CNI, a Fiesp — a CUT também foi fundamental —, a Contag, lideranças empresariais, lideranças dos trabalhadores, representantes indígenas, representantes da academia construíssem um consenso grande. As divergências vão existir? Lógico que vão sempre existir. Se uma determinada obra vai ter maior ou menor impacto ambiental… mas o fundamental é que hoje na agenda ambiental, nós não pensamos mais em plano de obras, pensamos em projeto urbano. Vou citar um exemplo que é polêmico e por isso eu faço questão de comentar: a usina Belo Monte. Eu acompanhei muito de perto toda a expectativa que existia naquela região e só existia por causa de Belo Monte. Eu não tenho dúvida nenhuma de que a grande oportunidade de aquela região enfrentar os gargalos que ainda tinha em relação ao saneamento ambiental, à formação, educação, expansão dos serviços de atenção à saúde só estão existindo agora por conta do projeto Belo Monte. Porque ele combina projeto de usina hidrelétrica que, no seu próprio estudo, na sua própria reavaliação, reduziu em muito os impactos ambientais. Então, em várias regiões do país, a oportunidade de enfrentar os gargalos históricos do desenvolvimento, que são as condições mínimas para as pessoas viverem — acesso à água tratada, esgoto, saneamento, serviços de saúde e de educação — só é possível hoje quando se faz esses projetos de investimento. Acho que essa é a melhor forma para enfrentar. É a mesma coisa: o Brasil hoje é um dos países que está no contexto do risco mundial de uma epidemia de obesidade. Isso em parte é decorrente da ascensão social, porque as pessoas pararam de passar fome,  passaram a consumir cada vez mais alimentos. Isso não necessariamente é ruim. Vamos conviver com novos riscos e novas contribuições que são fruto do processo de desenvolvimento do Brasil.

No seu discurso de posse, o sr. falou que é uma obsessão melhorar a qualidade do SUS e, se possível, diminuir as filas. O sr. tem ideia de como fazer isso?

O que eu falei no meu discurso de posse foi exatamente isso: tem que ser uma obsessão, um projeto único do conjunto do ministério colocar no centro de qualquer processo de planejamento das políticas de saúde que nós estamos ampliando o acesso ao acolhimento no tempo adequado às necessidades das pessoas. Reconhecendo que esse é um problema do mundo inteiro, inclusive dos sistemas públicos nacionais que são referência para nós, como também é um problema da saúde suplementar no Brasil. O fato de ser um problema não nos permite deixar de fazer com que ele esteja no centro do nosso planejamento de saúde. O investimento tecnológico que a Fiocruz desenvolve, por exemplo, vai ter um impacto decisivo no acesso por conta dos custos na oferta de tecnologia, de insumos, de vacinas, medicamentos que o SUS não teria condições de arcar se tivesse que fazer só aquisição do setor privado. Do ponto de vista mais nacional, na relação com os estados e municípios, o caminho é criarmos dois mecanismos que eu acho que vão ser estruturantes para o Brasil no problema do acesso. Nós queremos ter um instrumento mais sólido da relação entre governo municipal, estadual e federal, que é a ideia de implantar contratos interfederativos no sistema, onde se estabeleçam metas para ampliar o acesso em tempo adequado. Para construir esse contrato, nós temos que mapear o Brasil em regiões sanitárias. O próprio pacto de gestão já fez o primeiro mapeamento. A idéia é que nessas regiões sanitárias você veja cada realidade regional, faça o mapa sanitário, veja o que é ofertado. Isso com acompanhamento das metas do contrato, com transparência, acompanhado pelo controle social e pelo controle interno. E veja quais são as iniciativas, ações e estratégias para ampliar o acesso em cada região. Um outro movimento estruturante é criar um indicador nacional de controle de acesso. Estou conversando com as instituições acadêmicas e de pesquisa, com municípios que já têm experiências como essa para nós criarmos um grande indicador nacional que tenha sua base estadual, regional, municipal para que conheçamos, desde o começo, uma linha de base da garantia do acesso que cada região oferece à população e, a partir dos recursos e dos investimentos estratégicos, possamos avaliar a evolução desse indicador e, inclusive, premiar quem tem mais capacidade de fazer esforço para ampliá-lo.

A presidente Dilma destacou as UPAs como uma estratégia importante na organização do sistema de saúde. Uma das críticas às UPAs é que elas contrariariam a organização do sistema pela atenção primária. Como se articulam essas prioridades?

Isso é fundamental inclusive para essa opção que estou fazendo do acesso. Estou convencido, e a presidenta também, de que as UPAs são um equipamento que faz parte de uma rede que combina o tempo todo a atenção de urgência a emergência com a atenção básica em saúde no Brasil. É só assim que elas fazem sentido. As UPAs complementam em parte o que nós vamos chamar de atenção primária em saúde, porque vão funcionar 24 horas, e ficam num certo distrito, num certo território onde há outros equipamentos de saúde. E elas funcionam como um observatório da qualidade da atenção básica porque, na UPA, dependendo do perfil do atendimento, você pode revelar ou não a insuficiência de resolutividade da atenção básica. Se for um perfil que poderia se resolver na atenção básica, ela alivia a pressão das unidades de urgência e emergência. Mas o nosso compromisso de implantar 500 UPAs no país vai estar permanentemente combinado a uma rede de urgência e emergência que combina UPA, SAMU, central de regulação e requalificação do uso das unidades médias do país. Nós estamos mapeando quais são os pronto-socorros de referência no país — não são mais do que 200. E nós temos que ter um grande programa de qualificação desses pronto-socorros. Temos que combinar esse esforço com o grande desafio de esvaziar as urgências e emergências. E eu diria que, para além da atenção básica, esse maior desafio deve se dar pela garantia de oferta de leitos clínicos de média e curta duração. Um dos motivos hoje para a lotação de urgência e emergência no país é o fato de uma parte dos pacientes que já poderiam ter saído de um leito de urgência e ido para um leito clínico não ter oferta desse leito clínico naquela região. O outro desafio é a própria atenção básica. Na nossa convicção, a UPA acompanha o acesso à rede de atenção básica.

Na gestão do ministro Humberto Costa, houve uma defesa muito contundente da formação técnica do agente comunitário de saúde. Mas, em 2008, a Comissão Intergestores Tripartite decidiu que o ministério só poderia financiar o primeiro módulo de formação (o técnico é composto por três). Há interesse de retomar essa discussão agora?

Há pleno interesse nisso. Vários estudos mostram que a qualificação do agente comunitário de saúde é um dos fatores decisivos, ao lado dos serviços de saúde, para a atenção básica. Vários estudos têm demonstrado isso: o fato de serem qualificados ou não, terem feito atualização ou não ou terem se incorporado às vias de formação que chegam ao nível técnico dá mais qualidade ao trabalho do agente comunitário de saúde. Porém nós precisamos definir qual é a estratégia e qual o aporte financeiro para garantir isso. Eu não acredito que se possa fazer isso sem fortalecer a ideia de ensino à distância e de ensino em serviço. As próprias instituições de formação precisam se reestruturar para isso, precisam estar mais próximas do serviço, têm que estar dispostas a estar mais próximas do serviço, a lidar com ensino à distância, a usar estratégia de tutoria para dar conta desse desafio. E o outro é você fazer isso de forma não descolada do conjunto da formação da equipe e da própria existência da equipe. Um dos grandes erros, eu diria, das estratégias de formação da atenção básica é você pensar os componentes da equipe de forma separada, isolada. Você cria um grande programa de capacitação para o agente comunitário de saúde e não cria para os demais profissionais de saúde — para os médicos, enfermeiros…—, que vão tendo um descompasso absoluto na sua formação. Ou você cria um grande programa de formação do agente comunitário de saúde e não garante estrutura e condições para que não haja uma grande rotatividade de agente comunitário de saúde ou dos demais profissionais de saúde. Você faz um grande investimento em formação, mas em um profissional que roda o tempo todo, que não fica fixo. Acho que esse seria também um dos principais elementos para pensar estratégias de formação.

O sr. se comprometeu a participar ativamente do conselho de saúde. Vamos ter a conferência este ano. Como o sr. pretende fortalecer o controle social?

Eu me comprometi e estou participando das reuniões do conselho nacional de saúde. Eu venho de uma experiência muito recente de condução do conselho de desenvolvimento econômico e social e acho que este é um ano decisivo para o controle social e para o SUS. Nós não podemos reproduzir na 14ª Conferência Nacional de Saúde o mesmo cenário que encontramos nas últimas conferências. Temos que pensar a metodologia, como vamos garantir a participação…

Qual é a crítica às últimas conferências?

Na 13ª Conferência Nacional de Saúde nós chegamos a um relatório final com mais de 100 propostas. Cada uma representava um segmento ou desejo pontual, todos muito legítimos mas sem uma proposta estruturante para o SUS, para o desafio do SUS naquele momento. Eu fiz um debate no Conselho Nacional de Saúde, e agradeço ao Conselho, que considerou esse debate, propondo que, ao invés de a Conferência ter três, quatro eixos, tivesse um eixo único. O Conselho concordou com isso e teremos como único eixo da conferência, orientador dos demais, o tema do acesso com qualidade e tempo adequado às necessidades das pessoas. Esse é um desafio do SUS e de toda a seguridade social. Um outro esforço que nós vamos fazer, a partir da experiência com o conselho de desenvolvimento econômico e social, é tentar que o conselho seja um espaço, primeiro, de uma agenda estratégica; ele não pode ser um espaço em que a cada reunião só se discutam questões pontuais. Mesmo no esforço de acompanhamento e controle sobre as decisões da política de saúde e do gestor, que é importante, ele tem que construir uma agenda estratégica para ter um maior papel no controle. Quando ele exerce o controle só por questões pontuais, perde a capacidade de influenciar a política mais geral. O conselho de desenvolvimento econômico e social, que eu coordenei, teve um papel decisivo para o governo Lula quando parou de construir seus 135 objetivos especiais, que eram expressão de cada segmento, e passou a construir uma agenda estratégica para o país — a primeira foi a agenda nacional de desenvolvimento, depois, num segundo momento, a agenda internacional para um novo ciclo histórico de desenvolvimento. A partir daí ele começou a influenciar de forma decisiva os rumos do governo. Porque um conselho só consegue influenciar quando constrói um grande consenso sobre alguns temas, e envolve todos os segmentos. E quero manter a política de formação, capacitação dos conselhos estaduais e municipais, valorizar muito os conselheiros.

Fonte: http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Entrevista&;Num=25