Dia do servidor público

Artigo: “O sonho de trabalhar no serviço público”

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Infância difícil. Vida de família grande. Pai e Mãe trabalhadores honestos, mas ganhando pouco. Toda manhã a mesma coisa: “Eu peço para Mamãe o dinheiro pra comprar o pão”. O mesmo gesto de catar as moedinhas e abrir mão de ir de ônibus trabalhar. “Prefiro ir a pé a não ter o pão para meus filhos de manhã! Então vamos os dois a pé!”, dizia sempre o meu Pai.

Quantas vezes escutei isso e chorei em silêncio no auge de meus 14 anos de tristeza por não poder ajudar meus pais. Uma manhã igual a tantas outras amanheço ardendo de tanta febre. Correria geral. E menos de trinta minutos estou na recepção de uma unidade de saúde. Esta cheia, lotada. Parece que todas as pessoas do bairro resolveram ficar doentes ao mesmo tempo. Percebo minha mãe falar resignada para meu pai: “Vá trabalhar que fico aqui com ela. Não podemos os dois faltar ao serviço porque se não a falta do pão na mesa esse mês será maior.” Um beijo em mim, outro na mamãe e lá vai meu pai para o trabalho. A pé, pois o pouco que tinha deixou para nós com a frase: “No caso de alguma emergência”.

E lá ficamos nós a esperar nossa vez, que veio exatos 45 minutos depois que chegamos. Durante todo esse tempo pude perceber o quanto trabalhavam aquelas moças e moços de branco. Correm pra lá e pra cá gritando uns para os outros: Ajuda aqui colega, demanda espontânea! Traz a maca, paciente com sintomas de IAM! Chegou um paciente com quadro de AVC, toca a campainha! De repente a calma e as esperas voltaram. Todos os moços e moças vestidos de branco sumiram. Vez ou outra sai um pequeno grupo de três ou quatro pessoas e vão lá fora na barraca tomar o café. Ouço comentários das pessoas que acompanham as que estão doentes: “Esse povo não trabalha! Só fica passeando.” Foram lá fora fumar, tomar lanche e nós aqui há mais de uma hora esperando e ninguém fala nada.

Ouço minha mãe comentar com um senhor que acompanha seu filho doente e está perto de nós a bastante tempo: “Isso é injustiça né? Desde que cheguei, aqui está uma correria só. É justo que eles vão tomar café enquanto os doentes que entraram são atendidos. Se eles não comerem, podem ficar fracos e não dar conta de atender a gente né?”. O senhor concorda com um balançar de cabeça e continuamos a espera.

Foi ali, naquele momento, que tive a certeza. Quero ser uma trabalhadora do serviço público da saúde. Vou ajudar a atender os doentes que chegarem à unidade de saúde. Vou ser colega desse povo que veste branco e também vou vestir branco um dia. E tem sido assim há 18 anos. Servidora pública da área da saúde, tentando ajudar os que procuram ajuda na unidade de saúde que trabalho. Chorando em silêncio a dor das famílias que ajudo a socorrer. Sendo solidária com colegas que sofrem com as falhas do sistema. Indignando-me com as inverdades que falam sobre os profissionais públicos da saúde. Defendendo o SUS como uma politica de saúde pública para todos(as), virando noite em plantões para ajudar colegas que precisam descansar ou ficar pelo menos uma noite perto da família. Passando uma postura para os usuários que também precisamos nos alimentar durante a jornada de trabalho. Que também somos usuários do sistema e jamais deixaríamos um paciente ou usuário sem atendimento por preguiça ou pouco caso. Sofrendo com os baixos salários, com as péssimas condições de trabalho e o pior, com a arrogância e a prepotência de alguns que se julgam os donos da verdade e nos assediam no nosso plantão de cada dia.

Hoje sou feliz por ter realizado o sonho de ser uma trabalhadora do serviço público de saúde. Quero homenagear a todas as colegas e os colegas não só da área de saúde, mas de todo serviço público de direito do cidadão. Poucos temos a comemorar. Temos sim muita luta a fazer para conquistar direitos negados por governos que administram a maquina pública como se estivessem administrando a empresa deles. Se não temos nada a comemorar, temos o sentimento que vale a pena estar no serviço público e sermos excelência no atendimento ao povo. Realizei meu sonho de poder ajudar na área da saúde a semelhante necessitado(a) que procura atendimento.

Não preciso ir a pé para o trabalho por deixar moedas para comprar o pão pela manhã para meus dois filhos, mas quase sempre vou sem nenhum centavo na bolsa. Levo comigo a satisfação de estar indo ser útil profissionalmente aos que fragilizados procuram uma unidade de saúde e esperam respeito, ajuda e compreensão. E isso o servidor(a) do serviço público sabe fazer. Principalmente os da saúde! Bendita seja aquela manhã de 28 de outubro do ano de 1980 em que, para buscar ajuda em um atendimento junto com minha mãe e meu pai, eu encontrei mais que isso. Descobri a minha vocação profissional que tenho orgulho de praticar: ser uma servidora do serviço público na área da saúde. Mesmo tendo pouco a comemorar eu quero abraçar forte cada colega do serviço público e pedir para não desanimar de nossa luta por melhores salários e condições de trabalho. Pensem em quantas famílias ajudamos com a nossa nobre missão de salvar vidas. Isso por si só vale a pena! Que o próximo ano a gente consiga comemorar avanços nas condições de trabalho. Mas enquanto isso  deixamos a certeza que nosso sentimento solidário no atendimento ao público será sempre a nossa marca registrada. Essa é a nossa missão! Essa é a nossa vida! E esse sonho despertou muitas das vezes pelo reconhecimento na labuta diária de cada servidor(a) pública desse  país, do mesmo modo que o meu foi despertado.

Homenagem do diretor do Sind-Saúde e da CUT, Tomáz de Jesus a todos os profissionais do serviço público do estado de Minas. Especialmente os da área de saúde.

OUTUBRO DE 2012

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Cartaz do Sind-Saúde/MG em homenagem ao servidor público:

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