“Cada vez mais o sindicalismo deve ser protagonista de futuro, construtor do amanhã” diz o presidente do IPEA
“Cada vez mais, o sindicalismo deve ser protagonista de futuro, construtor do amanhã, interferindo nas transformações do mundo do trabalho a partir do aumento da organização e da consciência da classe, para que a sociedade do conhecimento seja a da abundância e não da escassez, da cooperação e não da competição”, afirmou o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), professor Márcio Pochmann, na mesa de abertura da Oficina “Mercado de Trabalho, educação, saúde e proteção social – políticas públicas para o desenvolvimento sustentável”, realizada quarta-feira (14) no Hotel Braston, em São Paulo.
A oficina faz parte da Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho, protagonizada pela Central Única dos Trabalhadores desde 2006, que tem levado o debate sobre a construção de um novo modelo de desenvolvimento – sustentável e inclusivo, para superar as enormes desigualdades ainda existentes – a todo o país.
“Com a contribuição do conjunto de companheiros e companheiras das mais variadas regiões, e o apoio de renomados intelectuais e lideranças dos movimentos sociais, estamos construindo a nossa Plataforma da Classe Trabalhadora, que reafirma o papel do Estado no desenvolvimento nacional e a importância do aprofundamento da democracia”, declarou o presidente nacional da CUT, Artur Henrique, que compartilhou com Pochmann a mesa de abertura do evento.
Para Artur, a democratização das relações do trabalho é um elemento central para garantir justiça e inclusão social, já que a manutenção de padrões autoritários de comportamento, como o demonstrado pelo patronato no uso e abuso da alta rotatividade, acabam sendo extremamente daninhos para os trabalhadores. “É inadmissível que continuemos tendo, como no ano passado, 16,6 milhões de trabalhadores contratados e mais de 15 milhões sendo demitidos”, ressaltou, dialogando com a necessidade da aprovação da ratificação pelo Congresso Nacional da Convenção 158 da OIT, que coíbe as demissões imotivadas.
O presidente cutista também combateu os setores retrógrados e sua mídia, que atacam políticas públicas fundamentais para a melhoria das condições de vida dos brasileiros como são o salário mínimo e o programa Bolsa Família, alegando que “tem resultado baixo para muito gasto”. “Atacam o Território da Cidadania, o Luz para Todos e todo e qualquer programa que beneficie os mais humildes. Há uma disputa política e ideológica na sociedade e precisamos estar cada vez mais preparados para este enfrentamento”, acrescentou. Na avaliação de Artur, entre as “tarefas e desafios no curto e no longo prazo, estão a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho”, principalmente em função dos inumeráveis abusos da terceirização e precarização ainda existentes em setores como o da construção civil e do comércio e serviços.
Frisando a relevância da ação sindical para que haja um desdobramento positivo, o presidente do IPEA conclamou os presentes a fazerem um exercício de projeção sobre o que será o nosso país em 2030, quando teremos 207 milhões de brasileiros e se espera uma regressão na expectativa demográfica, da mesma forma que já ocorreu na metade do século 19, com o fim do tráfico negreiro. Em 2040 a projeção é de 205 milhões.
Até 2030, há uma forte tendência de transformação do mundo do trabalho que redefine o próprio trabalho. “Em 1992, tínhamos 34% da população com até 15 anos; em 2008 eram 25% e em 2030 serão apenas 15%, com a idade média chegando a 45 anos e a expectativa de vida entre 90 e 100 anos. Da mesma forma, haverá uma forte queda na taxa de fecundidade que em 1992 era de 2,8 filhos por família, reduzida a 1,8 em 2008 e que será de apenas 0,9% em 2030”.
“Como nascerão menos pessoas do que morrerão, haverá um aumento da taxa etária mais avançada e é preciso que o sindicalismo reflita sobre isso. No século 20, o novo sindicalismo se organizou a partir de uma base familiar de dois adultos e duas crianças. Neste futuro próximo teremos famílias mais fragilizadas, com menos laços de sociabilidade e maior presença das mulheres em cargos de chefia, o que dará maior relevância às questões de gênero”, analisa o professor. Enquanto atualmente a mulher entra e sai do mercado de trabalho conforme a reprodução, “o que provoca uma brutal desigualdade”, com a mulher vivendo cerca de 90 anos e tendo apenas um filho, avalia, “teremos política de gênero para os homens”. Isso porque o futuro da ocupação será o trabalho imaterial, com ênfase no setor de serviços, onde o conhecimento – cada vez mais apropriado pelo sexo feminino – terá importância maior. “Hoje 70% dos trabalhadores encontram-se no setor terciário; em 2030, 85% estarão nos serviços, 8 a 9% na indústria e 6 a 7% na agropecuária”.
Pochmann também alertou para o fato de que crescerá o trabalho imaterial, feito a partir de qualquer lugar, o que dificultará a regulação social e trabalhista, o que desde já se coloca como um desafio para a organização sindical. “Assim, como fica o acidente ocorrido fora do ambiente de trabalho, as doenças como a depressão, e outras doenças mentais, que a regulação social não reconhece como doença do trabalho? Esta é uma riqueza que está sendo apropriada, mas que os governos não tributam e que os sindicatos não disputam. Guardando-se as devidas diferenças, estamos voltando ao trabalho na sociedade agrária, onde se morava na fazenda e trabalhava na fazenda, sem regulação”.
O papel do estudo na sociedade do conhecimento foi reforçado pelo presidente do IPEA, frisando que “será colocado em xeque todo o sistema de educação, informação e ensino, pois hoje quem estuda são as crianças e adolescentes, já que a educação em nossa sociedade está organizada para o trabalho, não para a vida”. “Conhecimento é sistematização, é analise de informações, por isso a educação deve ser um elemento intrínseco da organização sindical, da organização da sociedade, da reorganização da sociabilidade”, acrescentou.
Citando a formulação de Hannah Arendt, Pochmann defendeu que é chegada a hora da humanidade caminhar para se libertar do trabalho heterônimo, aquele necessário para a sobrevivência, pois já existem as condições para a sua superação. Naturalmente, ressaltou o professor, “o problema não é econômico, mas político. O Brasil é o maior exportador de alimentos, mas há gente em nosso país que morre de fome”. Na sociedade agrária, 70% da vida eram gastos no trabalho pela sobrevivência, “quem organizava a vida era o sol”; na sociedade urbano-industrial, com as pessoas vivendo 60 anos em média, eram gastos 45% e na sociedade pós-industrial, o trabalho heterônimo será de apenas 20%. “Haverá uma ampliação do trabalho autonomamente dirigido pelo homem, não mais pela sobrevivência, socialmente útil, de cooperação e não de competição”. Nesta nova sociedade, avalia, “o Sindicato poderá ser peça chave, sendo não somente representante do trabalho heterônimo, mas ampliando sua ação para os que hoje ainda encontram-se fora da sua representação como a criança, a mulher que trabalha em casa, o idoso, o deficiente físico e mental”. Antes, lembrou, a diferença do homem para a mulher e sua inserção na divisão do trabalho encontrava-se na força física, “e hoje para que ela é necessária? Para levantar o lápis, para apertar um teclado?”.
Citando o revolucionário russo Vladimir Lenin, o presidente do IPEA lembrou das críticas contundentes ao corporativismo do Sindicato de Ofício que no final do século 19 acabaram agindo como uma aristocracia operária, colocando-se acima da classe, das suas lutas, interesses e compromissos. “Não podemos ficar olhando o mundo através do retrovisor, os trabalhadores são peças fundamentais na construção do amanhã, que se faz hoje”, concluiu Pochmann, sob aplausos.
Fonte: CUT