Revogar Lei Kandir ajudaria Minas a sair da crise

Participantes de audiência defendem medidas como pagamento das perdas com a lei e aumento do imposto sobre heranças

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Realizar o ajuste fiscal, mas utilizando ferramentas que promovam a volta do crescimento econômico. Segundo João Prates Romero, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da UFMG, esse seria o resumo da receita para que Minas Gerais e o próprio País saíssem da crise que atravessam.

O professor participou, nesta sexta-feira (24/5/19), de audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que discutiu alternativas para enfrentar o problema. A reunião foi solicitada pela deputada Marília Campos (PT) e pelo deputado Glaycon Franco (PV), para abordar também as compensações devidas à Minas Gerais pela Lei Kandir, que isenta de ICMS exportações de produtos primários e semielaborados, como o minério.

Herança – Baseado em estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI), João Prates defendeu o aumento de alguns impostos, como o que incide sobre heranças, ou mesmo acabar com a isenção do ICMS prevista na Lei Kandir, o que faria aumentar as receitas.

Outra medida defendida seria promover ajustes, citando a reforma da previdência e o controle do crescimento dos gastos. O professor frisou que a reforma não é a que está em debate no Congresso Nacional, mas uma que de fato corrigisse injustiças.

O professor postula que o ganho de receitas com a mudança tributária e o ajuste fiscal propiciariam a melhoria das contas permitindo o aumento do investimento público. Para endossar sua visão, Prates utilizou dados do Cedeplar mostrando que o aumento de impostos gera um aumento dos investimentos na mesma proporção. Foi o que ocorreu, segundo ele, nos países do Sul da Europa após a crise de 2008. O aumento do investimento público, por sua vez, produz crescimento, pelo efeito positivo sobre o investimento privado.

Família – Para o professor, a comparação do estado com a economia familiar leva as pessoas a acreditarem que o corte de gastos é a única alternativa. “Essa história de que o estado, quando está endividado, tem que cortar tudo é uma falácia. Ele é diferente da família. Toda vez que corta gasto, deprime a economia. Seria o mesmo que uma pessoa, toda vez que economizasse, tivesse seu salário reduzido”, comparou.

Perdas com Lei Kandir chegam a quase R$ 637 bilhões
De 1996, ano de aprovação da Lei Kandir, até 2017, os estados brasileiros, o Distrito Federal e os municípios tiveram perdas líquidas de R$ 636,9 bilhões. A informação foi passada por René de Oliveira de Sousa, secretário de Estado da Fazenda do Pará, com base em dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Só em 2017, foi de R$ 42,7 bilhões essa perda.

Em todo o período, o percentual médio de ressarcimento das desonerações foi de 21,6 %. O ano de 1999 foi o que o maior percentual foi devolvido, de 52%. Já em 2017, foi de apenas 8,3% e em 2019, nada foi ressarcido, de acordo com René Sousa. Na opinião dele, a adoção da Lei Kandir ajudou o desenvolvimento do agronegócio, entretanto contribuiu muito para a desindustrialização.

Um gráfico demonstrou como isso se deu no Pará. Se em 1999, a participação da indústria de transformação era de cerca de um terço do PIB do Estado, em 2018, caiu para menos de 10%. Em contrapartida, a participação da indústria extrativa, que era de aproximadamente 40% em 97, subiu para impressionantes 76% do PIB em 2018.

René Sousa lembrou que, em 2013, o Estado do Pará protocolou no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando a não regulamentação das compensações. Em 2016, O STF determinou para o Congresso o prazo de um ano para sanar sua omissão. E caso não fizesse, caberia ao Tribunal de Contas da União fixar o montante anual a ser transferido às unidades da federação e os critérios para rateio entre elas. Em março de 2019, o Tribunal reabriu o prazo, concedendo mais um ano ao Congresso.

“Há uma determinação clara do governo federal de não ressarcir os valores, no entanto, vamos continuar exigindo que a lei seja cumprida”, disse.
Desmonte – Para Onofre Alves Batista Júnior, professor de Direito Público da UFMG, a Lei Kandir, junto a outras medidas federais, compõe uma estratégia da União de desmonte dos estados e invasão de sua competência.

Segundo ele, o Sistema Único de Saúde, quando foi lançado em 1988, era custeado majoritariamente pelo governo federal, que arcava com 80% dos gastos. Com o tempo, a participação foi diminuindo e hoje a União paga menos de 40%, deixando o restante para estados e municípios.

Onofre avalia que o quadro se agravou quando Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei Kandir. “Matou-se a base tributária dos Estados, que se endividaram muito a partir daí”, explicou. Outra medida de FHC nesse sentido foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, “que permite contingenciar tudo, menos o dinheiro do rentista”.

Parlamentares estaduais e federais se unem em defesa de Minas
Três deputados federais mineiros estiveram presentes. Júlio Delgado (PSB-MG) divulgou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira o incentivo da Lei Kandir na exportação de minerais metálicos. Ele acredita que no início do segundo semestre, o projeto estará pronto para votação.

Reginaldo Lopes (PT-MG) discorda da retirada do incentivo apenas para a mineração. Em sua visão, é preciso revogar toda a Lei Kandir, devolvendo a competência tributária aos estados e municípios. Ele reforçou que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) concorda com essa tese.

Para Rogério Correia (PT-MG), os crimes cometidos pela mineração criaram condições políticas para que se propusessem projetos sobre a questão minerária, tratando de atendimento aos atingidos por barragens, licenciamento ambiental mais rigoroso, ampliação de pena para empresas que cometam crimes ambientais e revogação da Lei Kandir. “Vamos marcar um dia de mobilização, na Semana de meio ambiente, para colocar esses projetos na pauta. A luta precisa ser de todos”, conclamou.

Congelamento – Já a deputada Marília Campos criticou a proposta de congelar salários dos servidores públicos para reduzir os gastos do Estado. “Impor sacrifício ao servidor não resolve o problema”, disse. Ela lembrou que, na gestão de Aécio Neves, os salários foram congelados por quatro anos, mas os problemas financeiros do Estado perduraram. Também defendeu a revogação da Emenda Constitucional 95, que prevê o congelamento de investimentos por 20 anos dos gastos públicos.

Por sua vez, o deputado Virgílio Guimarães (PT) disse que é possível tributar o minério de ferro sem a necessidade de aprovação de uma nova lei. “Basta aplicar um tributo regulatório, que é mais rápido e pode ser direcionado para cada setor ou produto em separado”, disse ele, informando que se enquadram nessa definição os impostos sobre exportação e importação e a Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide).


Fonte: ALMG