Plenária do Conselho Estadual de Saúde reafirma que modelo de gestão da saúde tem que ser aprovado pelo controle social

O descompasso entre a implementação de modelos geridos pela iniciativa privada em unidades hospitalares e a resolução do Conselho Estadual de Saúde (CES-MG) contra qualquer tipo de privatização do SUS em Minas Gerais foi tema discutido pelos conselheiros estaduais nesta sexta-feira (06/12/24). A plenária sobre o papel do controle social no funcionamento do SUS no estado teve foco nos modelos de Organização Sociais (OSs) e Serviço Social Autônomo (SSA), em tramitação na Assembleia Legislativa (ALMG). O evento promovido pelo CES aconteceu no auditório da Faculdade de Direito em Belo Horizonte e contou com representantes do Ministério Público, lideranças de outros estados que vivem a realidade desses formatos de gestão, advogados, trabalhadores da saúde e representante do governo.

A programação foi dividida em duas mesas. No período da manhã, participaram o advogado do Sindicato Único da Saúde (Sind-Saúde/MG) Gilmar Viana, o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde e da Seguridade Social (CNTSS) Mauri Bezzera e o promotor de saúde do Ministério Público Luciano Moreira de Oliveira. Já na parte da tarde, o debate foi conduzido pela promotora de Justiça de Defesa da Saúde Josely Ramos Pontes, pela representante do governo Lucimeia Carvalhais, pelo deputado estadual de Goiás Mauro Rubem e pelo conselheiro de saúde Jurandir Ferreira.

A presidenta do Conselho Lourdes Machado reafirmou que o Conselho Estadual de Saúde (CES) publicou resolução contrária aos modelos de privatização da saúde em Minas Gerais e chamou a atenção para o fato do governo estadual não ter apresentado a proposta que tramita no legislativo sobre SSA para o Conselho apreciar. “Oficialmente o  SSA nunca foi apresentado para o Conselho Estadual de Saúde. Então, fica difícil até a gente negociar com a Fhemig sobre algo que oficialmente não se conhece. A gente conhece, sim, pela Assembleia, mas nós somos um órgão do controle social, que faz parte do SUS e precisam ser respeitados. Então, publicamente aqui a gente tem que pedir a Fhemig que todas as ações antes de ir para a Assembleia tem que passar no Conselho Estadual de Saúde”, afirmou Lourdes.

Lourdes Machado fala da iniciativa da Plenária: 

 

Proposta mineira é cópia de modelos investigados

Em sua exposição, o advogado do Sind-Saúde Gilmar Viana apresentou a diferença dos modelos gerencialistas e burocratas e os riscos de entregar a gestão à iniciativa privada. Gilmar comparou as legislações de estados que implementaram o modelo, como Goias e Rio de Janeiro, e afirmou que a proposta do governo estadual é uma cópia do que foi feito nesses lugares que estão sob questionamento de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e da Corregedoria-Geral da União (CGU). “O TCU, o CGU, a AGU, todos, são unanimes em concluir pela ineficiência da terceirização.” O advogado do Sindicato apresentou também alguns dados do Ministério Público do Trabalho que comprovam a precarização dos serviços.

“De cada 10 acidente de trabalho que acontece na saúde, 8 são de terceirados. Isso tem a ver com a precarização do serviço prestado. Segundo o TCU, que pesquisou hospitais do Brasil inteiro, de cada 100 hospitais terceirizados, 82 apresentaram precarização do serviço.

Já o vice-presidente da CNTSS e conselheiro nacional de saúde, Mauri Bezerra levantou as irregularidades e desassistências que ocorrem em São Paulo nas unidades comandadas por OSs. Como berço das OSs no Brasil, o estado paulista já convive com esse tipo de gestão há mais de 25 anos, atualmente 30% das unidades do SUS estão nas mãos das OSs que recebem R$17 bilhões do orçamento estadual. As Organizações Sociais de lá já foram alvo de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na ALESP em 2018. Mauri Bezerra, que atuou na CPI, elencou os principais problemas encontrados, dentre eles a quarteirização de atividades-fim; desvio de finalidade do recurso público; não cumprimento de metas; pagamento a dirigentes e profissionais administrativos acima do teto estabelecido por Lei; notas fiscais sem identificação do contrato Contratação de empresas sem processo de seleção de fornecedores, contrariando o regulamento de compras da entidade; despesas impróprias referentes a serviços contratados; quantidade insuficiente de profissionais da saúde, não cumprindo o previsto no plano de trabalho; médicos ausentes do plantão, com ponto assinado e em alguns casos assinado até o final do mês.

Para Mauri Bezerra a legislação de OSs em Minas é ainda mais perversa do que a lei de São Paulo. Ele destaca três pontos mais críticos do texto. Primeiro que em Minas a exigência de experiencia é de 3 anos, menor que de São Paulo que é de 5 anos. E segundo que o contrato de gestão pode durar até 20 anos em Minas Gerais. Por fim, o comitê de acompanhamento dos contratos de gestão tem a indicação de apenas um membro do CES. Isso retira a composição tripartite do Conselho. E, além disso, o formato exclui o Conselho do processo de fiscalização.

 

Mauri Bezerra relata experiência negativa das OSs em São Paulo: 

 

Papel do controle social

Mauri Bezzera destacou também que a resistência dos setores que lutam em defesa do SUS conseguiu barrar durante anos a entrega do patrimônio público para gestão da iniciativa privada.

O Promotor de Justiça Luciano Moreira de Oliveira afirmou a importância do controle social e seu papel de porta voz da sociedade. “Vocês como controle social podem sim dizer ao gestor o que não é bom para a política de saúde. A importância do controle social é pedagógica, nas conferências municipais de saúde agora em 2025 e nós não podemos descrer nas massas populares”, reflete o promotor.

A também promotora de Justiça de Defesa da Saúde Josely Ramos Pontes defende que o Conselho participe do rito da decisão sobre o modelo de gestão para que ele cumpra o seu papel constitucional. Essa foi a primeira reflexão apresentada pela promotora que apontou que o controle social pode interferir e deliberar sobre essas modalidades de gestão. “No Brasil nos sabemos que infelizmente há uma enorme coincidência de quando os gestores públicos tomam uma decisão o mercado já se organizou para elas. Para a promotoria de defesa da saúde do Ministério Público a resolução do Conselho Estadual de Saúde pode sim decidir e interferir a respeito dessa modelagem de um serviço público já existente.”

Josely Ramos sinalizou para intenção da Fhemig de transferir a gestão hospitalar para a iniciativa privada, independente do formato. “Todas as modalidades de descentralização permitidas no Brasil a  Fhemig está usando, ou seja, é uma decisão de tal profundidade que eles se colocam assim: ‘vou terceirizar de qualquer maneira e para qualquer modelo que alguém do mercado se interessar’.”.

A promotora disse ainda se preocupar com o discurso de ataque ao serviço público. “Há uma afirmação que eu entendo como absolutamente perigosa que diz que tudo que é público é ineficiente. Não é verdade isso. E nós sabemos muito bem o nível de problema que tivemos no Brasil inteiro por causa da terceirização e de quem tem essa mentalidade de quem quer se livrar do serviço público”.

Para defender a proposta do governo, esteve presente na mesa a diretora assistencial da Fhemig, Lucimeia Carvalhais. Lucimeia citou as unidades que a Fhemig pretende repassar para o modelo SSA. Segundo ela, estão na lista a Maternidade Odete Valadares (MOV), o Hospital Alberto Cavalcanti (HAC) e o Hospital Infantil João Paulo II (HJPII). Para justificar a SSA, Lucimeia argumentou a necessidade de aumentar a velocidade na entrega e na quantidade dos serviços. A representante do governo foi bastante criticada por trabalhadores presentes na plateia ao afirmar que a produtividade dos servidores prejudicava as metas para serem atingidas.

 

SSA em Goiás

O deputado estadual por Goiás Mauro Rubem, participou de forma remota e contou como tem sido a experiência no seu estado com as SSA. “Passamos por um processo extremamente penoso em Goais, desde de 2009 para cá, onde o governo fez essa opção de entregar os nossos hospitais públicos para as Organizações Sociais. Aqui são em torno de 20 instituições chamadas de OSs, eu classifico como empresas mesmo, que hoje são responsáveis por administrar R$2,9 bilhões do orçamento da saúde estadual e com isso drena praticamente todo o recurso da secretaria estadual de saúde”, relata.

O conselheiro Jurandir Ferreira, do segmento de usuários, também participou online para dar o exemplo do processo ocorrido na Cemig de terceirização que iniciou ainda nos anos 80 e reduziu drasticamente o número de trabalhadores.

Ao final os conselheiros e trabalhadores presentes tiveram a oportunidade de fazer o uso do microfone para perguntas e proposições. O diretor do Sind-Saúde/MG e membro do Conselho Renato Barros defendeu que o texto em tramitação na ALMG deve ser questionado pela inconstitucionalidade.