Mídia ‘desconstrói’ MST na exata medida em que movimento ameaça Status Quo
Rodrigo Mendes
A maior ameaça à estrutura fundiária no Brasil e, consequentemente, ao Status Quo da elite brasileira, hoje, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST. Não pelo seu grau de radicalidade, mas pela densidade e volume que tomou.
A campanha que a mídia em geral faz para desconstruir o MST para um público mais amplo – e que poderia pender para a simpatia para com o movimento ao analisar de maneira mais objetiva a causa da distribuição de terra e produção de alimentos – é proporcional ao tamanho da ameaça e do potencial que esse movimento representa.
Para isso, todos os grandes jornais de circulação nacional que abordaram, por exemplo, o caso da fazenda da Cutrale se utilizaram de uma linguagem que condenava a priori o MST, que tratava o “vandalismo” dos militantes do movimento como fato dado. Para em seguida postar algo como “outro lado” e dar um ar de debate democrático.
É claro, esse método não é novidade, ele é utilizado em todas as coberturas relativas ao MST e aos movimentos sociais em geral, em particular os mais contestadores da ordem vigente. A forma como os textos, especialmente nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de São Paulo, são construídos cria uma série de pressupostos que são assimilados ao senso comum como verdade na base da inércia. Pressupostos como: o agronegócio é bom para a população, para a economia e representa o progresso; o MST se associa com tudo que há de arcaico, ultrapassado no Brasil; propriedade é para ser respeitada, cada um faz o que quer com a sua, entre outros.
E esse método vem ainda acompanhado pelo mito da imparcialidade na mídia, que mais uma vez mostra a força que tem. Os veículos de comunicação de massa têm a capacidade de criar um senso comum, uma base “mínimo denominador” para a formação do ideário do grande público, com o verniz de debate isento e factual.
A Cutrale e os fatos
Vamos aos fatos: a Cutrale grilou as terras da fazenda que teve seus pés de laranja destruídos. A empresa que hoje detém 30% do comércio de suco de laranja no mundo está assentada, há anos, sobre solo grilado, de maneira criminosa.
A Cutrale impõe condições de trabalho absurdamente degradantes aos seus trabalhadores, em desacordo com qualquer lei trabalhista.
Entre os movimentos sociais campesinos e o agronegócio, que tem como um de seus maiores representantes a Cutrale, há dois projetos de produção de alimento. O agronegócio trata comida como uma commodity, um produto a ser comercializado. O modelo de agricultura familiar vê a produção como forma de alimentar a população com comida de qualidade, livre de agrotóxicos e venenos. Ao contrário do senso comum que vê a “modernidade” da produção, ou seja, o uso de aditivos químicos, adubos etc. como algo por essência positivo, o modelo dos movimentos questiona essa noção.
Segundo a nota do MST após a incessante exibição das imagens da fazenda depredada – aliás, uma das formas corriqueiramente adotadas pela mídia para incutir uma determinada visão da realidade -, “a Constituição Federal estabelece que devem ser desapropriadas propriedades que estão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam os direitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas”. E o movimento afirma, pela mesma nota, que “as leis a favor do povo somente funcionam com pressão popular”.
Quanto à versão construída pela mídia, a partir das imagens pretensamente vinculadas à depredação da fazenda e intensamente veiculadas, a direção estadual do movimento de São Paulo admitiu que os militantes derrubaram pés de laranja e fizeram algumas pichações para deixar registrado o protesto contra a grilagem da área. Porém, fez várias ressalvas às acusações relativas à destruição e roubo de casas, depredação de tratores e roubo de combustíveis e venenos. “Como tudo isso poderia ter sido feito por famílias que estiveram o tempo todo cercadas pelas tropas da Policia Militar, sempre munida de câmeras filmadoras, com apoio de helicópteros, e que, no despejo, foram colocadas em cima de dois caminhões da própria multinacional Cutrale? (…) Por que tendo recebido imagens da destruição dos pés de laranja ainda no dia 28 de setembro, somente no dia 5 de outubro a Rede Globo resolveu exibi-las e o fazer de forma tão apelativa? Os representantes do agronegócio e a bancada ruralista precisavam de algum argumento que justificasse mais uma tentativa de instalação de uma nova CPI contra o MST”.
No que se refere à depredação de tratores, a direção estadual acrescenta ainda que as imagens que vêm sendo veiculadas mostram tratores e peças que já estavam abandonados e desmontados antes de as famílias chegarem lá. Ademais, “como seria possível as famílias furtarem 15 mil litros de combustíveis e toneladas de veneno sendo escoltadas pela PM e transportadas em cima de uma carroceria de caminhão?”, indaga a direção estadual.
A ocupação é a arma mais eficaz de pressão popular ao alcance do movimento. E justamente por ser tão poderosa é atacada com tanta ferocidade pela mídia grande, que não é imparcial e isenta, mas precursora dos interesses das elites, dentre os quais os grandes latifundiários.
Fonte: FNDC