Lula concede entrevista para a Folha
Na entrevista que Lula concedeu à Folha, o jornalista Kennedy Alencar, como era de se esperar, incluiu todos os temas com os quais a grande mídia tenta atacar o governo. O presidente respondeu a todas. Sobre o papel da elite no país, Lula disse uma frase enigmática: “não uso mais a palavra burguesia” e algumas perguntas depois completou: “Tem pessoas que governam o Brasil para o imaginário de uma pequena casta. E tem pessoas que governam pensando em envolver 190 milhões de brasileiros”.
Na primeira entrevista à Folha após dois anos, Lula declara que “a transferência de voto não é como passe de mágica”. Diz, porém, que se empenhará em transferir o seu prestígio e o do governo para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua candidata. Nega que a eleição dela fosse equivaler a um terceiro mandato. “A Dilma no governo tem de criar a cara dela. Rei morto, rei posto.”
Lula afirma ser “debate pequeno” a declaração do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, de que faz comícios pró-Dilma em viagens pelo país. Novamente de dieta para emagrecer, diz que apoiou a manutenção no cargo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por “segurança institucional”. Segundo Lula, a oposição ia “fazer um inferno neste país”.
Veja abaixo a íntegra da entrevista, segundo a versão disponibilizada pela Folha Online:
FOLHA – É correto classificar de marolinha uma crise que gerou desemprego, redução de investimentos e derrubou o crescimento da economia de 5% ao ano para 1% em 2009 no cenário mais otimista?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – Foi correto. Temos que separar a crise em dois momentos. Até setembro de 2008, discutíamos a crise do subprime quando ainda não havia o problema dos bancos. Até esse momento, o Brasil sentiria muito pouco a crise por várias razões. A economia estava sólida. Havíamos diversificado nossas exportações. Os bancos brasileiros tinham maior solidez e havia maior controle do Banco Central. Quando veio o Lehman Brothers [quebra do banco americano de investimentos em setembro de 2008], aconteceram duas coisas graves. O dinheiro desapareceu. Uma empresa como a Petrobras passou a pegar empréstimos na Caixa que seria destinado a pequenas empresas brasileiras.
FOLHA – Ali não houve um tsunami?
LULA – As coisas não aconteceram aqui como em outras partes do mundo porque nós tomamos medidas imediatas. Liberamos R$ 100 bilhões do depósito compulsório para irrigar o sistema financeiro. Fizemos com que o Banco do Brasil e a Caixa agilizassem mais a liberação de crédito. Fizemos o Banco do Brasil comprar carteiras de bancos menores que estavam prejudicados. Fizemos o Banco do Brasil comprar a Nossa Caixa em São Paulo e comprar 50% do Banco Votorantin. Era preciso que os bancos públicos entrassem em outras fatias do mercado, em que não tinham expertise, como financiar carro usado.
Nos debates com empresários, a minha inconformidade é que houve no mês de novembro e dezembro uma parada brusca desnecessária de alguns setores da economia.
FOLHA – Em outubro de 2007, o sr. disse que tinha aprendido que era importante governar também para a burguesia, que possuía uma visão diferente de quando era dirigente sindical, pois tinha um lado claro. Como presidente, precisava governar para todos, pobres e ricos.
Disse também que a burguesia brasileira era a “burguesia que sempre foi, a burguesia que está sempre querendo mais”. Falou ainda: “Da minha parte, não existe preconceito. Tenho consciência de que estão ganhando dinheiro no meu governo como nunca”.
Durante a crise econômica internacional, o que o sr. achou do papel do empresariado brasileiro?
LULA – Alguns setores empresariais resolveram colocar o pé no breque de forma muita rápida, a começar do setor automobilístico, que seguia a orientação das matrizes, que estavam em situação muito delicada. Tinha um estoque razoável. Estavam numa situação privilegiada de produção e venda de carros. De repente, a indústria automobilística parou. Quando ela para, para uma cadeia produtiva que representa 24% do PIB industrial brasileiro. E outros setores que já tinham empréstimos assegurados com o BNDES pararam porque ninguém sabia o que ia acontecer.
Aí, fizemos desonerações, liberação de financiamentos, o Meirelles colocou dinheiro das reservas para facilitar nossas exportações. Depois, descobrimos outra coisa grave, os derivativos, feitos por empresas que não pareciam que faziam derivativos. Foi outro problema. Tivemos de conversar com empresa por empresa. Discutir como financiar, como evitar que algumas quebrassem, e colocamos o BNDES em ação.
FOLHA – No auge da crise, os bancos privados secaram o crédito. A Vale e a Embraer demitiram de imediato. Foi um comportamento à altura do país naquele momento?
LULA – Não foi. Foi precipitação do setor empresarial, que deveria ter tido tido a tranquilidade que o governo teve. Deveriam ter ouvido o pronunciamento de 22 de dezembro em que fui à TV contraditar a tese de que as pessoas não iam comprar com medo de perder o emprego. Fui dizer que iam perder emprego exatamente se não comprassem.
FOLHA – O sr. comprou algo?
LULA – Lógico. Comprei geladeira nova.
FOLHA – E a sua opinião hoje sobre a burguesia, pós-crise?
LULA – Não utilizo mais a palavra burguesia.
FOLHA – Sobre o grande capital nacional?
LULA – Tem setores diferenciados. Não pode colocar todo mundo no mesmo barco. Tem o setor automobilístico que é dinâmico, mas depende de orientação da matriz. Como a matriz, estava numa situação muito delicada, a orientação recebida aqui era para colocar o pé no breque. Tinha o setor siderúrgico, com 60% da produção para exportação, que, de repente, minguou. A Vale exportava quase tudo o que produz de minério. Na hora em que caiu a demanda da China, houve um breque. O que me deixou decepcionado é que as pessoas deveriam ter tido a paciência para ver o tamanho do buraco. Quando dizíamos que o Brasil seria o último a entrar na crise e o primeiro a sair, nós estávamos convencidos do potencial do Brasil e do mercado interno. Há anos venho dizendo: o problema do Brasil não é o custo final do carro, o problema é saber se a mensalidade que o trabalhador vai pagar cabe no seu holerite.
Hoje é um fato consagrado no mundo inteiro: o Brasil hoje é o país mais bem preparado e o que melhor enfrentou a crise.
FOLHA – O sr. vai prorrogar a isenção de IPI para a linha branca? Total ou parcialmente?
LULA – Essas coisas a gente não diz sim ou não com antecedência. Se eu disser agora que vai ser prorrogado, as pessoas que iam comprar agora deixam de comprar.
FOLHA – O sr. tem simpatia pela prorrogação?
LULA – Tanto que tenho simpatia que fiz a desoneração.
FOLHA – Com o dólar no patamar de R$ 1,70 e juros ainda altos na comparação com outros países, o sr. não teme viver uma crise cambial em 2010 ou deixar uma bomba-relógio para o sucessor?
LULA – Nunca trabalhei com juros altos tendo como parâmetro outros países.
FOLHA – Mas os juros no Brasil são altos, e o sr. reclama.
LULA – Sei. Mas trabalho na comparação com o que era. Em vez de ficar achando que a calça do outro é apertada, eu vejo a minha de manhã. O Brasil tem a menor taxa de juros de muitas décadas.
FOLHA – A taxa básica não poderia estar menor?
LULA – Poderia. Mas, descontada a inflação, temos 4%, 4,5% de juro real. Há muitas décadas o Brasil não tinha esse prazer. O problema hoje é o spread bancário, que ainda está alto, e o governo tem trabalhado para reduzir.
FOLHA – O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), tem uma crítica…
LULA – Deixa eu falar do câmbio. Depois respondo à crítica do Serra, que é menos importante para mim, para você e para o povo brasileiro. O câmbio sempre foi uma preocupação nossa. Se um dia você for presidente da República e sentar naquela cadeira, vai entrar na sua sala uma turma reclamando que o dólar está baixo, porque ele é exportador e está perdendo. Quando sai, entra a turma dos compradores, importadores, que acham que o dólar está maravilhoso, que é preciso manter assim. Aí entra o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e dizem que é maravilhoso o dólar baixo porque controla a inflação.
Agora, antes que aconteça, uma superentrada de dólares no Brasil, reduzindo muito o valor do dólar em relação ao real, criando problema na balança comercial, e com algumas empresas exportadores tendo problema, nós demos um sinal com o IOF [Imposto sobre Operações Financeiros, que passou a ser cobrado no ingresso de capitais]. Demos um sinal para ver se a gente equilibra.
FOLHA – Especialistas dizem que o IOF será inócuo?
LULA – Se for inócuo, mudamos. Há uma disputa. O setor produtivo totalmente favorável, e o financeiro totalmente contrário. Isso é importante, porque significa que o governo está no caminho do meio, e aí é mais fácil a gente acertar.
FOLHA – A crítica básica do Serra é a seguinte: o Banco Central jogou fora na crise um bilhete premiado, que seria a oportunidade de baixar mais os juros sem custo. Agora, a crise acabou, a taxa está alta, pode ter que aumentar e jogou fora o bilhete premiado?
LULA – Vivi os dois lados. Quando se é oposição, você acha, pensa, acredita. Quando é governo, faz ou não faz. Toma decisão. O Serra participou de um governo oito anos. Tiveram condições de tomar decisões e não tomaram. Obviamente, qualquer um que for presidente, tem o direito de tomar a posição que bem entender. É como jogador bater pênalti. Brincando todo mundo marca gol. Na hora do pega para capar, até pessoas como o Zico e o Sócrates perderam pênalti.
FOLHA – Uma crítica de especialistas e da oposição é o aumento dos gastos públicos no segundo mandato. Além da elevação temporária de gastos na crise, há despesas permanentes que pressionarão o caixa no futuro e tornarão mais difícil baixar os juros. O sr. estaria deixando uma herança maldita.
LULA – As contas do governo nunca estiveram tão boas na história deste país. A política anticíclica na crise fez com que o governo deixasse de arrecadar uma enormidade de dinheiro. Mas é o preço que a gente tem de pagar. Compare o que colocamos de dinheiro na crise, com desoneração, com o que os países ricos tiveram de colocar. Foram trilhões de dólares colocados para ajudar o sistema financeiro, coisa que não precisamos fazer.
FOLHA – Saiu barato?
LULA – Eu acho. Em setembro, recuperamos os empregos que perdemos na crise e muito mais. Vamos chegar a um milhão de empregos no final do ano. Veja o mundo desenvolvido.
FOLHA – Qual é a sua previsão de crescimento do PIB para este ano?
LULA – Positivo, entre 1% e 1% e pouco. Se não houvesse a brecada brusca entre dezembro e janeiro, poderíamos ter crescido 2,5%, 3% com certa tranquilidade. O importante é o sinal para 2010.
FOLHA – Aquela brecada do empresariado sacrificou crescimento econômico?
LULA – O empresário brasileiro foi vítima de uma circunstância. O pânico criado no mundo fez com que todo mundo acordasse de manhã achando que ia acabar o mundo. O pânico precipitou decisões de recuo de setores empresariais. Eu chamei empresários, disse que tínhamos de aproveitar a crise, que tínhamos dinheiro no BNDES, que as empresas com dinheiro em caixa tinham de fazer investimento agora porque, quando a crise acabasse, estaríamos preparados para ocupar outro patamar no mundo. O momento não é de medo, é de investir. Eu jamais demoraria o tanto que foi demorado nos Estados Unidos para salvar a GM.
FOLHA – Aécio Neves ataca o inchaço da máquina e diz que o sr. faz um governo para a companheirada. Como o sr. responde?
LULA – Tem duas concepções de ver o Brasil. Tem pessoas que governam o Brasil para o imaginário de uma pequena casta. E tem pessoas que governam pensando em envolver 190 milhões de brasileiros. Quebramos o preconceito de primeiro tem que enxugar a máquina, fazer o país crescer e, então, dividir. Vivi isso durante quatro décadas. Quando resolvemos fazer política social, dissemos que era possível crescer concomitantemente e criamos uma nova casta de consumidores que está ajudando a indústria e o comércio.
FOLHA – O sr. recuou no envio de um projeto para cobrar IR de poupança acima de R$ 50 mil e mandou normalizar a devolução da restituição do IR. A lógica eleitoral, com temor de desgaste, autoriza a conclusão de que o sr. não pretende tomar medidas impopulares até o final do governo?
LULA – (Risos). Não faça injustiça, querido. Não adiamos o envio do projeto de lei. Decidimos o que íamos fazer em março, por unanimidade. A oposição que imaginava pegar a poupança como cavalo de batalha, ficou sem discurso. Em vez de a Fazenda mandar em março, como era algo que só valeria para 2010, esperou para mandar agora.
FOLHA – Vai enviar ao Congresso?
LULA – Vai mandar. Obviamente, poderemos discutir outras bases. Vai mandar, vai mandar.
FOLHA – E sua ordem para normalizar o pagamento da restituição do IR?
LULA – Não havia nada de anormal. No Brasil, já tivemos momentos em que a devolução atrasou. No nosso governo, tivemos momentos em que adiantou.
FOLHA – O ministro da Fazenda disse que estava atrasado, e o sr. deu a ordem para acelerar.
LULA – Lógico, porque tem que pagar. Nós precisamos de consumo. Precisamos que o povo tenha dinheiro para comprar. Falei com o Guido [Mantega]: Guido, nós precisamos que o povo tenha dinheiro para comprar. O povo tem de ter o dinheiro em dezembro.
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FOLHA – Por que o sr. escolheu Dilma como candidata, uma cristã nova no PT e pessoa que nunca disputou eleição, sem fazer uma discussão no partido e levar em conta os nomes de governadores, como Jaques Wagner (BA) e Marcelo Déda (SE), e de ministros, como Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e Tarso Genro (Justiça)?
LULA – Não estava em discussão quem era PT mais puro sangue, menos puro sangue. Era uma questão de viabilidade política. Dilma é a mais competente gerente que o Estado brasileiro já teve. A capacidade de trabalho da Dilma, a competência, o passado político e o presente, me faz garantir que a Dilma é uma excepcional candidata a presidente da República.
FOLHA – O sr. nunca havia sido gestor, era político, virou presidente e faz um governo bem avaliado. Seu argumento não é muito tucano, essa coisa de gerente.
LULA – Não é tucano, não. Além de extraordinária gestora, a Dilma é um extraordinário quadro político. Tem firmeza ideológica, tem compromisso, tem lealdade, sabe de que lado está.
FOLHA – O sr. a acha preparada para presidir o Brasil?
LULA – Muito preparada.
FOLHA – Já há faixas na rua dizendo que Dilma eleita equivale ao terceiro mandato de Lula.
LULA – É exatamente o contrário. Uma mulher que tem a personalidade que a Dilma tem. Conheço bem a personalidade dela. Isso vai exigir que eu tenha o bom senso de quando elegi o Jair Meneguelli presidente do sindicato de São Bernardo, o José Dirceu presidente do PT. Rei morto, rei posto. A Dilma no governo tem de criar a cara dela, o estilo dela, o jeito dela de governar.
FOLHA – Falando do estilo, ela é retrata por pessoas do governo como muito dura no trato pessoal, que falta habilidade política, que massacra algumas pessoas. Isso não é ruim para um presidente?
LULA – O Brasil já teve muitos governantes maleáveis, e não deram certo? Você tem de ser bom, afável, duro, em função de cada circunstância. Uma mulher por si já tem a necessidade de ser mais retraída, pelo preconceito que existe contra a mulher. A Dilma vai surpreender esse país. Quem pensa que a Dilma é uma mulher grosseira, é uma mulher dura, está errado. Na sua casa, se você for com uma gracinha para o lado de sua mulher, ela vai lhe dar um tranco. Se a conversa for séria, não vai dar. E a Dilma tem toda a clareza disso.
FOLHA – Dilma precisará refazer sua imagem, tomar um banho de loja, semelhante ao que o sr. fez em 2002?
LULA – (Risos) Por esse aspecto, não precisa. Não mudei minha cara. Comprei apenas um terno novo para 2002. Não é possível mudar a cara. A pessoa pode aprimorar. Em 2002, fizemos uma pesquisa em que 85% diziam que a reforma agrária tinha de ser pacífica. Levei mais de 15 dias para que minha boca pudesse proferir reforma agrária tranquila e pacífica. Essas mudanças têm de ter. Algumas que a gente fala, pensando que está agradando, não batem com o que povo pensa.
FOLHA – O sr. defende uma coalizão e uma disputa plebiscitária. Se a coalizão é tão importante, por que faz tanta questão que o candidato seja do PT e não de um partido aliado?
LULA – Porque seria inexplicável para grande parte da sociedade brasileira o maior partido de de esquerda do país, que tem o presidente da República atual, não ter um sucessor. Apenas por isso.
FOLHA – Fechou ontem a aliança ontem com o PMDB?
LULA – Patrocinei uma reunião de líderes do PT com o PMDB, que fizeram uma nota. Haverá um acordo nacional, e a chapa será PT-PMDB.
FOLHA – Michel Temer é o nome para vice?
LULA – Não posso dar palpite. Quem discute vice é o candidato a presidente.
FOLHA – O sr. ainda tem o desejo de que Ciro seja vice de Dilma e que o PMDB apoie?
LULA – Um presidente não tem desejo. Faz o que é possível.
FOLHA – É possível?
LULA – Na política, tudo pode acontecer. O Ciro tem todas as condições de ser candidato a presidente. Sou um homem feliz. Feliz desse país, que tem o Ciro, a Dilma, o Serra, o Aécio, a Marina, a Heloísa Helena. Nesse espectro, não tem ninguém de extrema-direita ou conservador ao extremo. Todos tem história. Não acho que é mérito meu, não. Fernando Henrique Cardoso tem importância nisso, pelo fato de ter feito comigo uma transição excepcional.
FOLHA – Se Ciro se mantiver emparelhado ou à frente de Dilma em março, quando o sr. e ele combinaram de tomar uma decisão final, que argumento o sr. pode usar para convencê-lo a desistir da Presidência e concorrer em São Paulo?
LULA – Não vou tentar convencê-lo.
FOLHA – O sr. patrocina a articulação para ele ser candidato a governador de São Paulo.
LULA – Não é verdade. Não patrocino. O Ciro pertence a um partido pelo qual tenho profundo respeito. O PSB tem os mesmos direitos do PT. Sou o único cidadão que não tem autoridade moral para pedir para alguém não ser candidato. Fui candidato a vida inteira. Só cheguei à Presidência porque teimei. Muita gente achava que eu tinha de desistir. Jamais farei isso [pedir para Ciro desistir].
FOLHA – Como o sr. explica ter um governo popular e a oposição liderar nas pesquisas sobre sucessão?
LULA – Ainda não temos candidatos
FOLHA – Os motivos? Recall?
LULA – Lógico que é recall. O fato de ter um candidato da oposição que é governador de São Paulo, já foi candidato a presidente, que já foi senador, que já foi ministro, tem uma cara muito conhecida no Brasil inteiro.
Obviamente, a transferência de voto não é como passe de mágica. Vamos trabalhar para que a gente possa transferir todo o prestígio angariado pelo governo e pelo presidente para a nossa candidatura.
FOLHA – O sr. diz que ainda não há candidatos. Mas todo dia a Dilma aparece com o sr. no noticiário, viajando. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, classificou de vale-tudo as viagens que viram comícios.
LULA – Você passa o tempo inteiro plantando a sua rocinha. É justo que, quando ela ficar no ponto de colher, você vá colher. Foi grande o sacrifício que fizemos para o Brasil voltar a investir em infraestrutura. A gente não tinha dinheiro. Se olhássemos o saldo de caixa do governo para fazer o PAC, a gente não teria feito. Foi uma decisão de faríamos e arrumaríamos dinheiro onde fosse necessário.
A Dilma trabalha das oito, nove da manhã às três da manhã. Quando era ministra das Minas e Energia, ela ficava, às vezes, três e meia da manhã, ficava comendo lanche com os assessores para fazer as coisas andar. Ninguém pode ser contra a Dilma ir às obras comigo. Até porque, se ela for candidata, a lei determina quem tem prazo em que ela não poderá mais ir. Até chegar lá, ela é governo. É um debate pequeno.
FOLHA – Mendes disse que o governo testa o limite da Justiça Eleitoral.
LULA – É um debate pequeno. Cada brasileiro, seja ele presidente da suprema corte ou o mais humilde, tem o direito de falar o que bem entender, mas tem uma lógica. Nós vamos continuar inaugurando obra. Tudo que a oposição quer é mostrar na TV tudo o que eu não fizer. O que eu fizer eu tenho obrigação de inaugurar, porque sei qual foi o sacrifício para chegar aonde chegamos.
FOLHA – O sr. teme uma chapa Serra-Aécio?
LULA – Não [com voz firme].
FOLHA – O sr. pediu a Aécio para não ser vice de Serra?
LULA – [Riso] Não, não.
FOLHA – O sr. não subestimou Marina, que deixou o PT para, segundo ela, construir uma nova utopia no PV?
LULA – Se ela acredita nisso, não sou que vou desmentir. Nunca subestimei a Marina, porque a adoro como pessoa humana. Tenho carinho por ela. Fomos militantes juntos por 30 anos. Ela me pediu demissão em janeiro do ano passado, eu não dei. Na medida em que quis sair do governo e do partido, é um direito dela. Só tenho que desejar sorte, que Deus ajude. É uma pessoa boa.
FOLHA – Por que o sr. não abandonou Sarney na crise do Senado?
LULA – Por uma razão muito simples. O PT teve candidato a presidente do Senado, derrotado [Tião Viana, do Acre]. Não entendi porque os mesmos que elegeram Sarney, um mês depois, queriam derrubá-lo. Coincidentemente, o vice não era uma pessoa [Marconi Perillo, do PSDB de Goiás] que a gente possa dizer que dá mais garantia ao Estado brasileiro do que o Sarney. A manutenção do Sarney era questão de segurança institucional. O Senado está calmo. Está funcionando. Qualquer cidadão pode perder a cabeça, um presidente da República não pode perder a cabeça.
FOLHA – Se Sarney caísse, acabaria sua sustentação política no Senado?
LULA – A queda do Sarney era o único espaço de poder que a oposição tinha. Aí, ao invés de governabilidade, iam querer fazer um inferno neste país. Foi correta a decisão de manter o Sarney no Senado.
FOLHA – Falando do seu papel como presidente da República, o sr. chegou a dizer que Sarney não poderia ser tratado como um cidadão comum. Não é incorreto numa democracia, onde ninguém está acima da lei? Um presidente falar isso não transmite mensagem ruim?
LULA – É verdade que ninguém está acima da lei, mas é importante que a gente não permita a execração das pessoas por conveniências eminentemente políticas. Sarney foi presidente. Os ex-presidentes precisam ser respeitados, porque foram instituições brasileiras. Não pode banalizar a figura de um ex-presidente. O que vem depois da negação da política é pior do que a gente tinha. O mundo está cheio de exemplos.
A negação do socialismo, feita pela Gorbatchov, deu quem? O que tomava vodca lá, o [Bóris] Iéltsin. A relação com a política tem de ser mais séria. Não adianta falar mal do Congresso Nacional, porque ele é a cara do que foi votado pelo povo. O importante é que a democracia garante que a cada 4 anos haja troca.
FOLHA – O sr. apoiou Sarney, reatou relações com Collor, é amigo do Renan Calheiros, do Jader Barbalho e recebeu o Delúbio Soares recentemente na Granja do Torto. Todos eles são acusados de práticas atrasadas na política e até de corrupção. Ao se aproximar dessas figuras, o presidente não transmite ideia de tolerância com desvios éticos?
LULA – O dia que você for acusado, justa ou injustamente, enquanto não for julgado, terá de ser tratado como cidadão normal. Não tenho relações de amizade, mas relações institucionais. As pessoas ganharam eleições e exercem seus mandatos.
FOLHA – O cidadão que admira o Lula e o vê abraçado com essas figuras…
LULA – O cidadão que admira o Lula tem de saber que essas pessoas foram eleitas democraticamente. E o eleitor dessas pessoas é tão bom quanto ele.
FOLHA – O sr. trabalhou tanto pela reabilitação política de Palocci. O episódio do caseiro não é insuperável do ponto de vista eleitoral para um candidato majoritário?
LULA – Estranho a malandragem da pergunta: “O sr. trabalhou pelo Palocci”. Deixa eu lhe falar uma coisa, desejo que todos os que foram acusados, e acho que tem muita gente acusada injustamente, que todos sejam julgados. Palocci teve um veredicto. Não tem mais nenhuma pendência com a Justiça. Portanto, o Palocci pode ser o que ele quiser ser.
FOLHA – E [pendência] perante o eleitorado?
LULA – Aí terá de ser construído.
FOLHA – Ele pode ser candidato a governador de São Paulo?
LULA – Ele tem inteligência suficiente para saber se o momento é de ter uma candidatura ou não.
FOLHA – Qual é sua opinião?
LULA – Não tenho opinião. Se fizer a pergunta em março, terei opinião. Palocci pode reconstruir a vida dele. Durante os primeiros anos do meu governo, ele era considerado a pessoa mais respeitada no mundo empresarial, no mundo financeiro. Ele está quase perto de ser um gênio político e vai saber tomar a decisão.
FOLHA – Seu aliado Ciro Gomes diz que há “frouxidão moral” na hegemonia da aliança PT-PMDB, da qual o sr é o principal avalista. Sobre o encontro com o PMDB, disse: “Espero que o PMDB entregue o que prometeu. E espero que os argumentos dessa aliança sejam confessáveis publicamente”. Como o sr. responde a essas críticas?
LULA – A aliança com o PMDB e os demais partidos permitiram uma governança muito tranquila. Tive a governança mais tranquila que FHC e Sarney. Se for confirmada a aliança com o PMDB, será feito um documento público explícito para saber qual são os compromissos assumidos. Pra mim, as coisas têm de ser explícitas.
FOLHA – E a frouxidão moral?
LULA – É um conceito do Ciro.
FOLHA – Não quer responder.
LULA – Estou respondendo. É uma opinião do Ciro.
FOLHA – Não o incomoda?
LULA – Não. O Ciro esteve no meu governo. A única que não tem aqui é frouxidão moral.
FOLHA – Ciro disse que o sr. e FHC foram tolerantes com o patrimonialismo para fazer aliança no Congresso. Ou seja, aceitaram a prática política de usar os bens públicos como privados. “No governo Lula, vi um pouco de novo a mesma coisa”, ele disse em entrevista em fevereiro de 2008. Como responde a essa crítica?
LULA – Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, ele não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer, tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. E o eleitor escolheu seus representantes. Quem ganhar a Presidência amanhã, terá de fazer quase a mesma composição, porque este é o espectro político brasileiro. Não é o espectro do Ciro, do Lula, do FHC, do Serra, da Dilma. Coloque tudo isso na frigideira e perceberá que são os ovos que a galinha botou. São com eles que terá de fazer o omelete.
FOLHA – Nunca se sentiu incomodado por ter feito alguma concessão?
LULA – Nunca me senti incomodado. Nunca fiz concessão política. Faço acordo. Uma forma de evitar a montagem do governo é ficar dizendo que vai encher de petista. O que a oposição quer dizer com isso. Era para deixar quem estava. O PSDB e o PFL (hoje DEM) queriam deixar nos cargos quem já estava lá. Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.
FOLHA – É isso que explica o sr. ter reatado com Collor, apesar do jogo baixo na campanha de 1989?
LULA – Minha relação com o Collor é a de um presidente da República com um senador de um partido que faz parte da base da base. Os senadores do PTB têm votado sistematicamente com o governo.
FOLHA – Do ponto de vista pessoal, não o incomoda? Não lhe dá aperto no peito?
LULA – Não tenho razão para carregar mágoa ou ressentimento. Quando o cidadão tem mágoa, só ele sofre. A pessoa que é a razão de ele ter mágoa vive muito bem, e só ele sofre. Quando se chega à Presidência da República, a responsabilidade nas suas costas é de tal envergadura que você não tem o direito de ser pequeno. Tem de ter as atitudes de chefe de Estado. Fico sempre olhando quando a Alemanha e a França resolveram criar a União Européia. A grandeza daqueles dirigentes políticos, ainda com o gosto de sangue da Segunda Guerra Mundial.
FOLHA – O sr. cobrou um esclarecimento da ex-secretária da Receita, Lina Vieira. Ela achou a agenda e a data, 9 de outubro, em que teria se encontrado com Dilma e ouvido o pedido para acelerar as investigações da Receita sobre Sarney. A ministra e o governo não devem esclarecimentos que o sr. mesmo cobrou?
LULA – É fantástico. O engraçado é que quando se levanta uma tese, essa tese fica sendo martelada todo santo dia para ver se ela vinga. Ora, o governo mesmo disse que a Lina tinha vindo aqui em outubro. Isso foi nós que dissemos. Acho estranho tirar tantos dias de férias para depois encontrar sua agenda.
FOLHA – Não é preciso mais explicações da Dilma?
LULA – Não tenho dúvida nenhuma. Também não tenho dúvida de que a Lina também deve ser uma grande funcionária pública. Muitas vezes as pessoas são vítimas de uma palavra a mais ou a menos. Quando as pessoas viram vítimas de utilização política, quando fulano procura alguém, e ninguém fala diretamente, sempre alguém fala por eles, aprendi a não levar muito a sério.
FOLHA – O sr. acha que Lina está sendo usada?
LULA – A dona Lina é dona da sua consciência. A dona Dilma é dona da sua consciência.
p(star). *
LULA – Não faz mal porque aprendi, ao longo da minha vida, cair e levantar, cair e levantar. A pesquisa de opinião pública é como medir a pressão.
FOLHA – Quando o Rio foi escolhido para sediar as Olimpíadas de 2016, o sr. disse que simbolizava a entrada do Brasil no primeiro mundo político e econômico. O episódio de derruba de um helicóptero no último sábado não mostra que aquele Rio vendido lá é fantasia e que seu discurso é irrealista?
LULA – Pelo contrário. Disse que o Brasil tinha conquistado sua cidadania internacional. E reafirmo. Foi um momento glorioso ter a maior votação que um país já teve na história das Olimpíadas. Não foram escondidos os problemas sociais do Rio.
FOLHA – O secretário da Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, diz que “o Rio precisa que o governo federal assuma a responsabilidade legal pelo combate à droga”. Empurrou a responsabilidade para o governo federal.
LULA – O governador [Sérgio Cabral] contraditou o secretário. O secretário é uma figura da Polícia Federal muito respeitada, muito amigo do diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Em momentos de medo, de insegurança, as pessoas falam qualquer coisa. Converse com o governador para ver a parceria na área de segurança que estamos construindo.
FOLHA – O sr. assistiu ao filme “Lula, o filho do Brasil”?
LULA – Não. Estou sendo convidado. Quinhentas ofertas. Quero sentar com a minha família e ver o filme.
FOLHA – Com financiamento de grandes empresários e ajuda das centrais sindicais na distribuição, não é um instrumento de propaganda personalista?
LULA – Se isso prevalecer, não sei o que fazer. Vou entrar numa redoma de vidro, mandar cobrir e não apareço mais em lugar nenhum. Tem um livro sobre a minha vida que é pública. O cidadão resolve fazer um filme. A única condição que impus foi não ter dinheiro público, e eu não quero que fale do governo. Do governo, só quando acabar.
FOLHA – O sr. não teme a repercussão negativa entre os judeus do encontro com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad?
LULA – Muito pelo contrário. Não estou preocupado com judeus nem com árabes. Estou preocupado com a relação do estado brasileiro com o estado iraniano. Temos uma relação comercial, queremos ter uma relação política, e eu disse ao presidente Barack Obama (EUA), ao presidente Nicolas Sarkozy (França) e à primeira-ministra Angela Merkel (Alemanha) que a gente a não vai trazer o Irã para boas causas se a gente ficar encurralando ele na parede. É preciso criar espaços para conversar.
FOLHA – Ações recentes da política externa na América Latina foram de contraponto a Washington. O Brasil tem de ser um contrapeso à força dos EUA na região?
LULA – Não quero ser um contraponto a Washington. Quando propus a criação do Conselho de Defesa e de combate ao narcotráfico, tinha duas coisas na cabeça. Nós precisamos nos transformar numa zona de paz. E, enquanto América do Sul, a gente assuma a responsabilidade de combater o narcotráfico. Porque aí vai permitir que os países consumidores cuidem dos seus consumidores.
FOLHA – Zelaya completou completou um mês na embaixada brasileira fazendo política interna. Não foi longe demais?
LULA – Só tem um exagero em Honduras. É o golpista.
FOLHA – O sr. diz que a imprensa internacional elogia o Brasil e a nacional puxa o Brasil para baixo. Nos EUA, o Obama apanha da imprensa, e é elogiado na imprensa internacional. Isso não acontece porque a imprensa nacional conhece o país melhor?
LULA – [Risos] Quisera Deus que fosse verdade. Estou convencido de que a imprensa nacional conhece melhor o país, até porque tem obrigação de conhecer. Mas, às vezes, vejo um comportamento de um setor da imprensa muito ideologizado. Sou amante da democracia e da liberdade de imprensa. A maior alegria que tenho é que os leitores, ouvintes e telespectadores são os únicos censuradores que admito nos meios de comunicação. Portanto, cada um paga pelo que faz.
FOLHA – Um dos papéis da imprensa é fiscalizar o poder. O sr. não está incomodado com a imprensa cumprindo o seu papel?
LULA – Não incomoda.
FOLHA – O sr. disse que tem azia quando lê jornais.
LULA – Como presidente, nunca fico incomodado. Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. O papel é informar.
FOLHA – A imprensa não tem de ser fiscal do poder?
LULA – Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da República, tem um monte de coisas. A imprensa tem de ser o grande órgão informador da opinião pública. Essa informação pode ser de elogios ao governo, de denúncias sobre o governo, de outros assuntos. A única que peço a Deus é que a imprensa informe da maneira mais isenta possível, e as posições políticas sejam colocadas nos editoriais.
FOLHA – O sr. acha legítimo o governo interferir na gestão de uma empresa privada como o sr. faz em relação à Vale?
LULA – Não interferi na Vale.
FOLHA – Houve interferência pública.
LULA – É preciso parar com essa mania de entender que só o presidente da República tem responsabilidade com o Brasil. Os 190 milhões têm. E, mais ainda, os empresários têm. E aqueles que receberam benefício do governo têm mais ainda. O que eu disse ao companheiro Roger foi pedir para a Vale colocar todo o seu poder de investimento em investimentos internos. Não apenas na exploração de minério, mas também na transformação desses minérios em aço.
Os trabalhadores da Vale sabem do carinho que tenho por ela. Tenho feito esforço em vários países do mundo, ajudando a cavar espaço para que a Vale seja empresa multinacional. Agora, não pode acontecer, quando deu um sinal de crise, mandar tanta gente embora como mandou. O Roger já sabe que houve equívoco nisso.
FOLHA – Na fusão da Oi com a Brasil Telecom, o sr. mudou a regra para favorecer um negócio em andamento de um empresário que é seu amigo e contribui para suas campanhas, Sérgio Andrade. Foi um benefício do Estado a um grupo privado. Isso não ultrapassa o limite ético?
LULA – Vocês são engraçadíssimos. Temos uma agência reguladora.
FOLHA – Mas o sr. assinou um decreto mudando a regra.
LULA – A legislação brasileira permite que a agência faça a regulação que melhor atenda ao mercado brasileiro. Estou convencido de que foi correta a decisão do governo.
FONTE: TRECHO RETIRADO DO SITE VERMELHO