Fechamento do HMAL causa sequelas irreversíveis em pacientes com cirurgias adiadas

Em reunião do Conselho de Saúde, grupos defenderam apresentar denúncia-crime para responsabilizar gestão

 

Depois de sete meses do fechamento abrupto do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), já é possível somar casos gravíssimos de desassistência que levam a sequelas irreversíveis, perda de membros e intercorrência de infecção devido a cirurgias adiadas. Os dados e relatos foram apresentados ao Conselho Estadual de Saúde (CES-MG) nesta segunda-feira (07/07). Segundo os números coletados pelos servidores, houve queda na produção cirurgica, aumento nas transferências para hospitais externos, descontinuidade no atendimento, aumento nos custos e manipulação dos dados pela gestão. Com base no debate público promovido pelo Conselho, servidores e usuários disseram que reunirão os descasos promovidos no Hospital João XXIII a partir do fechamento da unidade para apresentar denúncia-crime e buscar responsabilizar a gestão por conduzir uma política de desassistência. São 4 salas de bloco cirúrgico fechadas enquanto mais de 6000 pessoas esperam por uma cirurgia.

Sem a transparência nas informações da gestão, os servidores coletaram os dados a partir da escala de cirurgia do dia e dos prontuários do HJXXIII. A queda nos números é alarmante em todas as áreas: trauma, ombro, pé e tornozelo, fixador externo/ilizarov, membros superiores, joelho, trauma (ilizarov), mão, quadril e bucomaxilo. As causas para o cancelamento das cirurgias são a falta de salas, falta de anestesistas e falta de técnicos de enfermagem.

O diretor do Sind-Saúde/MG Renato Barros afirmou que a entidade vai estudar uma forma de representar criminalmente os responsáveis pela desassistência que tem causado perdas imensuráveis. “Estão ferindo mais uma vez a nossa Constituição. Tem que haver uma responsabilização de alguém sobre as sequelas que estão sendo relatadas, pacientes estão ficando sequelados e alguém tem que ser criminalizado, vou fazer essa discussão junto a minha entidade”.

A diretora clínica do HMAL Andrea Fontenelle denunciou mais uma vez a falta de planejamento do governo para esse fechamento e que a cirurgia agendada é continuamente desmarcada pela prioridade que a urgência demanda, perfil prioritário do HJXXIII. Para ela existe uma total desconexão do que se vê na planilha da gestão e o que acontece no hospital.

“Não houve nesse tempo uma organização adequada. Não se planejou transferência de ambulatório, não se planejou novas estratégias. O que se faz em 12 salas cirúrgicas, não se faz em 7. Não existe matemática que consiga reduzir isso. E o HJXXII já mostrou que opera na capacidade máxima. São mil pacientes, mil cirurgias em um mês. E isso vem se mantendo desde maio do ano passado, com pequenas oscilações”, aponta.

Aumento de transferência para hospitais externos

Em 2024, com o HMAL tinha mês com nenhuma transferência para outros hospitais fora da rede Fhemig. Agora, mesmo com 20 leitos funcionando houveram quase 100 transferência externas no período de janeiro a maio de 2025, aumentando o custo de internação. O mesmo aumento ocorreu no HJXXIII, de 534 no mesmo período de 2024 para 660 pacientes transferidos para outros hospitais fora da Fhemig. Os dados foram apresentados pela nutricionista do HMAL, Maria Gonçalves Soares.

“Nós temos quatro escalas de blocos paradinhas, com cirurgiões sem conseguir operar no HJXXII. Meu Deus, que gestão é essa? Os impactos das decisões inconsequentes permanecem nos corredores, nas filas, nas sequelas dos pacientes e nos cofres públicos.”

Recentemente, o governo anunciou que os pacientes do HMAL serão transferidos para o Hospital Julia Kubitscheck no Barreiro. A diretora do Sind-Saúde/MG Neuza Freitas chamou atenção para a incoerência dessa ação do governo. “O Hospital Júlia Kubitscheck está mantendo três salas no bloco cirúrgico fechadas. Nós estamos com problemas com as cirurgias que já são destinadas para lá, primeiro do Alberto Cavalcanti e agora dos pacientes do Amélia Lins que eram classificados como média complexidade e de uma hora para outra passaram a ser de alta complexidade, como as cirurgias de punho”. Neuza também lembrou que há anos a ortopedia foi retirada do HJK com a justificativa que não era perfil da unidade.

Participação da ALMG

Acompanharam o debate o mandato de quatro parlamentares: o gabinete da deputada Beatriz Cerqueira, do vereador Bruno Pedralva, da deputada Ana Paula Siqueira estavam presentes. O deputado estadual Lucas Lasmar também participou do debate e questionou a manipulação dos dados pela gestão. Para ele, colocar os pacientes da forma que foram transferidos para o HJXXIII é tentar colocar uma carreta dentro de um caminhão.

“E pior, o Estado apresenta números que contradiz a própria fala. Em julho de 2024, o HMAL e o HJXXIII operaram 1.350 cirurgias, e hoje, na apresentação até abril, operaram 1.001 por mês. E o Estado fala em aumento a todo momento. Será que eles faltaram nas aulas de matemática?”

A presidenta do Conselho Lourdes Machado pediu que a mediação do legislativo possa aumentar e pautar um esforço maior para acabar com as ameaças de privatização no Estado.  Lourdes também lembrou do prazo final para o governo responder judicialmente sobre os dados do fechamento do HMAL. Sem resposta até semana passada, o governo pediu uma extensão do prazo, a data limite termina nesta terça-feira (08/07).

Cancelamento de cirurgias

O deputado também questionou a narrativa de melhoria com o cancelamento das cirurgias.  “A falta de assistência às pessoas é de preocupar que tem pessoas que estão há mais de oito dias, nove dias, com fraturas esportivas, com duas, três vezes as cirurgias sendo canceladas.”

Durante o debate foi exibido um vídeo de paciente que estava há 30 dias internado no HJXXIII aguardando cirurgia, cinco vezes desmarcas e em todas precisou fazer jejum acreditando que seria operado. O paciente mostrou no vídeo a ferida aberta com risco de intercorrências maiores.

Adoecimento dos trabalhadores

A servidora Lúcia Barcelos apontou que a sobrecarga de trabalho tem aumentado o adoecimento dos trabalhadores e as licenças médicas tem colocado um cenário de maior déficit na escala. Segundo ela, o bloco cirúrgico está funcionando com servidores em exaustão. “Tem uma média de 6 a 7 técnicas de enfermagem de licença e muitas vezes do adoecimento provocado pelo trabalho”.

Descaso da gestão

Para representar o ponto de vista da gestão, participou do debate público o assessor do gabinete da presidência da Fhemig, Paulo Mendes. Apesar de reconhecer a referencia nacional do HMAL, Paulo Mendes disse o foco é na mudança e estão em um período de transição. Ao responder questionamentos sobre os dados, Paulo Mendes apontou para o agravamento das doenças respiratórias, o que foi fortemente combatido pelos presentes que afirmaram que o HJXXIII não absorve essa demanda nem tampouco essa é uma realidade que acontece em outros períodos do ano.

O representante do governo ficou por quase todo o tempo que esteve na mesa mexendo no celular. A postura gerou constrangimento e indignação, os presentes criticaram a falta de interesse do gestor. Apesar do confronto, a interação com o aparelho celular continuou da mesma forma, gerando um clima ilustrativo do descaso com a situação vivenciada nos hospitais em Minas Gerais.