Brasil: dentro da nova ordem mundial

Consolidação do G20 dá a país e aliados, como China, Rússia e Índia, maior poder decisório nos temas mundiais 

Renato Godoy de Toledo


O ano de 2009 foi marcado por uma alteração na participação dos países na ordem geopolítica – ao menos formalmente. O G7, entidade representativa das sete maiores economias do mundo, incorporou mais 13 países considerados emergentes, como Brasil, Rússia, Índia e China (conhecidos pelo acrônimo Bric), além de outras nações, como México, África do Sul e Tailândia.


A notícia foi vista como uma forma de os países capitalistas mais desenvolvidos convidarem os menores a traçar estratégias contra a crise financeira internacional. Por outro lado, uma análise mais crítica aponta o movimento como uma forma de os EUA trazerem para sua órbita nações que pudessem agir de forma não-alinhada, notadamente Rússia e China.

Na prática, os países que agora participam do grupo têm o direito de negociar, teoricamente, no mesmo nível com as potências do antigo G7. Também podem, após as reuniões, emitir declarações e construir diretrizes para as questões internacionais.


Para o governo brasileiro, a consolidação do G20 foi comemorada como mais uma conquista de 2009, ao lado da confirmação das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro e do reconhecimento como potência regional mediadora de conflitos – evidenciada na postura do país no caso de Honduras.


Desglobalização”

De acordo com André Martin, geógrafo da Universidade de São Paulo (USP), a promoção dos países ditos emergentes a um dos principais conselhos de nações dá o tom de como o mundo deve se reorganizar no próximo período. “Alguns acham que isso foi uma confirmação da globalização, mas acho o contrário. É uma ‘desglobalização’. Interpreto que isso é o reconhecimento de que a hegemonia financeira americana não dá mais conta do mundo. O próprio êxito da globalização neoliberal forçou um novo ordenamento jurídico que pudesse dar conta dos processos que a desencadeou. Estão sendo convocadas outras nações para ajudar a resolver os problemas do centro do capitalismo mundial. Antes era o contrário. Na minha opinião, isso é uma ruptura”, afirma.


Na visão de Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT, há um processo de criação de uma multipolaridade, mas o cenário é mais complexo do que aparenta. “A ampliação em direção ao G20 mostra que está em curso um declínio do poder relativo dos Estados Unidos e seus aliados. Mas, por outro lado, do ponto de vista dos Estados Unidos, a constituição do G20 é uma tentativa de absorver e controlar pólos alternativos de poder. Ou seja, é uma tentativa de manter uma multipolaridade sob controle”, avalia Pomar.


Martin também crê ser possível essa movimentação estadunidense para não perder de

vista seus interesses. “Na visão dos EUA, é claro que é melhor lidar com estados organizados do que com atores fora do controle. Eles pensam assim. É preferível lidar com a China a lidar com o Irã, pois consideram os chineses mais racionais, com uma visão de grande potência que não vai querer ‘chutar o balde’. Já o Irã, para eles, parece ser incontrolável”, exemplifica.


Brics

O bloco composto por Brasil, Rússia, Índia e China, denominado Bric, tem sido apontado como protagonista dessa ampliação das esferas decisórias multilaterais. Porém, o grupo ainda carece de solidez e sua continuidade permanece uma incógnita.


Na visão do geógrafo André Martin, a composição entre essas nações ainda não mostrou o seu porquê. “O problema é que essa unidade está mal explicada. Se ela for baseada só na expectativa de crescimento, então esses países se sobressaem, a Rússia um pouco menos. Mas se esquecem que a Rússia é o mais industrializado, o que possui mais tecnologia, mais minerais e mais Forças Armadas. A distribuição correta de forças seria: os EUA acima de todos, mas obrigado a se equilibrar militarmente com os russos, que seriam a segunda força; a China um pouco abaixo, ambígua comercialmente em relação aos EUA e aliada militarmente à Rússia”, explica Martin, referindo-se ao Pacto de Xangai, que prevê parceria militar entre Moscou e Pequim.


Sub-imperialismo?

Valter Pomar afirma que o fato de participar do G20, por si só, não é sinônimo de poder para o Brasil. “Participar do G20 não é o melhor indicador de poder na nova ordem. Não participar indica que se trata de um país com pouco poder, mas participar não garante protagonismo algum. O Canadá, por exemplo, não é protagonista, é coadjuvante. O Brasil, a China, a Rússia, participam do G20 porque têm poder; e não é que eles têm poder porque participam do G20”, analisa Pomar.


Na visão do dirigente petista, o fato de o Brasil despontar como potência regional pode gerar uma ambiguidade nas relações internacionais, por vezes até impondo interesses nacionais para além de sua fronteira. “Mesmo os países socialistas, nos seus melhores momentos, tinham uma política externa ambígua: por um lado, projetavam interesses nacionais, por outro, os interesses anti-capitalistas. Se era assim com os países socialistas, imagine com os países que são governados por forças de esquerda e progressistas. A política externa desses países têm um componente estruturalmente ambíguo: por um lado, expressa os interesses dos setores capitalistas; por outro lado, expressa os interesses democrático-populares”, coloca Pomar.


Assim, no caso específico do Brasil, a vertente chamada sub-imperialista e os interesses populares nas relações internacionais convivem de forma conflituosa, segundo o dirigente petista. “Na política externa do Brasil, cuja economia corresponde à metade da economia sul-americana, há sim convivência e disputa entre interesses capitalistas (que alguém já denominou de ‘sub-imperialistas’) e interesses democrático-populares. Mas, no caso da América Latina, não há linha tênue [entre as duas vertentes]: nas questões fundamentais, a política externa do Brasil esteve do lado certo”, garante.

Fonte: Brasil de Fato